Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

NOVO RUMO

Quantos lerem isto, lembrem‑se diante do vosso altar, de Mônica.

Com efeito, a permanência em Milão foi breve. Passado pouco tempo, Agostinho e os seus empreenderam a viagem para Roma, como primeira etapa do projetado regresso a Tagaste. Em Hóstia, junto a Roma, tomariam o barco que os reconduziria às costas africanas. Mas o porto estava bloqueado pela armada do usurpador Máximo. Tal imprevisto obrigou‑os a ficar ali até que fosse possível a navegação. Entrou em contato com nobres famílias cristãs e provavelmente hospedou‑se em casa de uma delas.

Dois acontecimentos de sinal diferente tiveram lugar em Hóstia. O primeiro, o êxtase de Agostinho e Mônica. Assim nos é contado por ele: "Aproximava‑se o dia da morte de minha mãe. Aconteceu que ela e eu nos encontrávamos sós, apoiados numa janela, donde se avistava o jardim interior da casa que habitávamos... Conversávamos a sós, muito docemente. Falávamos da sabedoria de Deus, que desejávamos com ardor e chegamos a tocá‑la um pouco com o nosso coração" (IX, 10, 23‑25).

O segundo foi a morte de Mônica. Passado pouco tempo cai doente e após nove dias de enfermidade, quando contava ela 56 anos de idade e Agostinho com 33, "aquela alma religiosa e piedosa foi desatada do corpo" (IX, 11, 28).

A emoção e a pena que sentiu foram imensas. Enquanto lhe fechava os olhos, afluía ao seu coração uma enorme tristeza, que se transformava em lágrimas. O esforço para contê‑las era grande e esta luta aumentava ainda mais a sua dor, como a aumentava escutar o pranto do filho Adeodato quando a avó deu o último suspiro.

Mônica foi sepultada ali mesmo. Durante o funeral Agostinho conseguiu conter as lágrimas. Mas depois no decorrer do dia viu‑se oprimido pela tristeza. Para a afastar decidiu ir tomar um banho. Tomou‑o, mas assim como se encontrava assim se encontrou depois. Não foi capaz de fazer transpirar do seu coração a amargura da tristeza. "A seguir adormeci ‑ dirá ‑ e ao acordar encontrei a minha dor mitigada" (IX, 12, 32).

Grande tinha sido o amor da mãe pelo filho, mas não menor o do filho pela mãe. As seguintes palavras de Agostinho, de grande beleza e riqueza de sentimentos, são sinal disso: "Senti vontade de chorar na presença de Deus sobre e por ela, sobre mim e por mim. Dei rédea solta às lágrimas que tinha reprimidas para que corressem quanto quisessem, fazendo delas um leito para que o meu coração descansasse, que nele efetivamente encontrou repouso, porque ali estavam os ouvidos de Deus, não os de qualquer homem que interpretasse depreciativamente o meu pranto. Agora, Senhor, to confesso neste escrito. Quem quiser leia‑o e interprete‑o como quiser. E, se acharem pecado que eu chorasse durante uma pequena parte de uma hora a minha mãe recém falecida diante dos meus olhos, a minha mãe que durante tantos anos me tinha chorado diante dos Teus; não se ria: antes, se tem caridade, chore também ele pelos meus pecados, a Ti, Pai de todos os irmãos em Cristo" (IX, 12, 33).

Agostinho volta para Roma até que seja possível fazer‑se ao mar. Aí passa os dias a visitar os mosteiros que existem nos arredores, ao mesmo tempo que se entrega à atividade literária. Possuímos obras de caráter filosófico e apologético escritas por ele neste período. O mesmo fervor que anos antes o tinha impelido a difundir o erro maniqueísta, desdobra‑o agora para o refutar e contrastar com a verdade da Igreja Católica. Não pode tolerar que os maniqueus convertam o seus costumes, que ele tão bem conhece, em apologia da verdade da sua religião. O argumento é válido mas está mal aplicado. É vida dos cristãos e acima de tudo a caridade dos monges a que dá testemunho da verdade católica, dir‑lhes‑ á.

Por fim chegou a hora de atravessar, pela segunda e última vez para Agostinho, as águas do Marenostrum (como lhe chamavam os romanos) o mar Mediterrâneo. Em 388 chegava a Cartago, isto é, cinco anos depois de ter enganado a sua mãe naquele mesmo porto. O que agora regressava não era o mesmo que tinha partido. A nave da sua vida acabava de tomar um novo rumo.

Desta vez a estadia em Cartago foi curta. Tagaste esperava‑o. O s seus projetos iam tornar‑se realidade.

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