Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

SERVO DE DEUS

Meditando dia e noite a divina lei

Na companhia de seu filho e amigos regressou a Tagaste. Como primeira medida, vende as propriedades de seus pais, dá o produto aos pobres, ficando apenas com a casa para viver com os seus amigos, como servo de Deus.

Os bens a que Agostinho renunciou não foram com certeza muitos, porque não os tinha. Mas ele deixará escrito mais tarde que "muito abandona quem não só abandona o que tem mas até o que deseja ter" (Comentário ao Salmo 103, III, 16). É a expressão de um estado de ânimo pronto a sacrificar nas aras do serviço do Senhor. Com efeito, tinham chegado a Tagaste como "servos de Deus". Poder‑se‑ia pensar no primeiro ensaio dum mosteiro agostiniano.

O que tinha experimentado por pouco tempo e noutras circunstâncias Cassiciaco, vai tornar‑se agora, nos seus planos, em realidade duradoura. A procura da sabedoria chamar‑se‑á, daqui em diante, por outro nome: procura e conquista de Deus. Cristo e a Escritura abrirão o caminho. A razão avançará por essa estrada aberta, sem se afastar dela, nem para a direita nem para esquerda. Sair dela será o equivalente a entrar no erro. A viagem é comprida; é necessária a purificação. É preciso desprender‑se de tudo. A alma tem de caminhar livre, sem nada que atrase a partida ou lhe detenha a passada.

Mas agora já não estão em Cassiciaco. Os projetos de antigamente não bastam. África é um campo de batalha. Ele é membro de uma Igreja que se encontra em tribulação. O maniqueísmo, o donatismo e os pagãos ameaçam afogá‑la. Há que conseguir a ascensão pessoal a Deus; mas é também necessário formar um exercito que lute em defesa desta Igreja. A ambas as coisas se dedicará Agostinho.

Em Tagaste vive‑se num ambiente ascético, onde tudo é comum. O corpo é domado pelos jejuns e a alma é alimentada pela oração e meditação. Ali estuda‑se, reflete, lê‑se, consulta‑se, recolhe‑se cada um no seu interior até chegar a "ver a Deus" através das coisas criadas. Novos interesses penetraram na pequena cidade da Numídia. O conjunto dos amigos forma um centro de estudos. O trabalho intelectual ocupa a maior parte das horas do dia. Agostinho é o pai comum de todos eles, o "diretor espiritual", o mestre de filosofia e teologia e de Sagrada Escritura. O que ele recebe do céu no seu estudo e oração reparte‑o pelos outros. Aos de dentro pela sua palavra e pelos seus escritos. Através destes, também aos de fora.

"Depois de receber o batismo juntamente com outros companheiros e amigos, que também serviam o Senhor, aprouve‑lhe voltar a África, à sua própria casa e herança; e, uma vez ali estabelecido, pelo espaço de quase três anos, renunciando aos seus bens, em companhia de outros que se lhe tinham juntado, vivia para Deus com jejuns, oração e boas obras, meditando dia e noite a divina lei. Comunicava aos outros o que recebia do céu com o seu estudo e oração, ensinando aos presentes e ausentes com a sua palavra e escritos." (Vida de Santo Agostinho, escrita por Posídio, capítulo III).

A primeira instrução é filosófica. São variados os temas propostos à discussão e ao diálogo: a existência de Deus, os graus de ascensão até Ele, a liberdade, a origem do mal, o mestre interior, a providência, etc.. Agostinho dirige, aclara, distingue, explica, sintetiza. Junto com os temas filosóficos vão os teológicos: relação entre a fé e a razão, a Trindade e a Encarnação, pecado original e graça, credibilidade da Igreja Católica, sinais da verdadeira religião, etc. A teologia converte‑se em apologética contra pagãos e hereges. Serve‑se a Igreja.

O jovem Adeodato morre. Tinha dado provas do seu talento no livro intitulado O mestre. Falece também, em Cartago, o amigo Neonídio, que não tinha podido acompanhá‑los no retiro de Tagaste. Foram duas perdas dolorosas para Agostinho.

Os interesses dos que vivem reunidos vão mudando. As questões bíblicas preocupam‑nos. Estão imensamente interessados em conhecer a Escritura, o seu significado. Isto não é fácil; em todas as partes vêem passagens obscuras e questões difíceis. São as questões do dia, as armas que os hereges usam contra a Igreja. A melhor razão que se lhes pode contrapor é a autêntica palavra de Deus. É indispensável conhecê‑la. O que antes era instrumento de perfeição pessoal, está agora ao serviço da Igreja. Agostinho responde como pode às perguntas. Improvisa com freqüência e mais tarde terá de mudar de opinião. Ensina as normas para interpretar a Escritura, para entender os antropomorfismos, a diferença entre o Antigo e o Novo Testamento, etc..

Os livros de Agostinho são copiados, oferecidos, correm de mão em mão. A sua fama estendeu‑se por toda a província. Todos o conhecem, admiram e louvam; pela sua ciência e pelo seu estilo de vida. Outros odeiam‑no; os maniqueus contra os quais já escreveu várias obras; descobriu os seus erros e até os meteu a ridículo.

Agostinho não quer renunciar ao seu estilo de vida. Ao mesmo tempo esforça‑se por ganhar novos membros para o seu ideal. Vai buscá‑los pessoalmente. Tomou as suas precauções antes. Sabe onde pode ir e onde não. Conhece as cidades onde há bispos e onde o necessitam. evita as últimas. Podia ser perigoso para ele. Mas Hipona ainda tem pastor. Portanto não há nenhum perigo que o capturem para o serviço pastoral daquela cidade. E vai sem maior cuidado. Era o ano 391 cuidado Era o ano de 391.

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