Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

20 lições para conhecer a Santo Agostinho

 

10.- ESCRITOR E SANTO

Santo Agostinho estava morto aos olhos dos homens, mas começava a viver aos olhos de Deus. Certamente, sua alma, depois de tantos séculos, continua viva no meio de nós.

Quase sempre, os santos nos são apresentados como “super-homens”, que não conheceram quase nada do pecado, nem sequer da tentação. Santo Agostinho não foi assim. Todas as suas obras nos colocam em contato com um homem semelhante à maioria de nós; exposto, como nós, à concupiscência e vivendo, todos os dias, ante o temor do pecado.

Não nos importa saber até que ponto pôde, apesar de seus esforços, deixar-se vencer pelo mal. Já se escreveram muitas bobagens a respeito disso. Inclusive certos testemunhos do bispo de Hipona a respeito de suas faltas foram interpretadas fora de contexto e sentido reais. Se algumas características nos surpreendem na fisionomia de Agostinho, temos de pensar em seu caráter profundamente religioso.

As “Confissões” põem em relevo a profunda unidade de sua vida interior. Jamais interrompeu o caminho. Assim, não teve que lamentar seu passado, ao menos em certo sentido. Para ele, como para todos os que amam a Deus, nenhum pensamento, nenhuma ação deixou de estar relacionada com o bem, inclusive os próprios pecados.

Pessoa profundamente religiosa Agostinho, com certeza, buscou Deus, antes de encontrá-lo e possuí-lo. Por muito tempo seu coração esteve inquieto, porque ainda não conhecia o verdadeiro descanso que somente Deus é capaz de proporcionar.

Consagrou, mais tarde, todas as forças de seu amor, ao serviço de Deus e das pessoas. Mas não se contenta em amar aos cristãos. Ama também, com afeto semelhante, aos que não pertencem à verdadeira Igreja. Dirige sempre aos maniqueus, donatistas ou pelagianos, palavras de amor e boa vontade.

As vezes, fala com um tom mais emocional, mais carinhoso, mais simples, do amor de Deus; e conclui que a única atitude que podemos tomar diante de Deus é a do reconhecimento, do amor. Se Deus nos amou primeiro, também nós devemos amá-lo. Este amor é, precisamente, nossa maior recompensa. Do ensinamento de Agostinho, o que traduz de maneira mais completa as riquezas de seu espírito e de seu coração é uma palavra de amor: “ama e faz o que quiseres!”.

Santo Agostinho é, sem dúvida, o escritor mais fecundo da Igreja Latina. O que São Jerônimo havia escrito a respeito de Orígenes, logo pode repetir Possídio sobre o bispo de Hipona: “o número de suas obras é tão grande, que apenas um grande estudioso pode ler todas elas”.

Os escritos que chegaram até nós podem se dividir, conforme a finalidade e índole do seu conteúdo, em obras:

1. Filosóficas;

2. Apologéticas;

3. Exegéticas;

4. Dogmáticas;

5. Polêmicas;

6. Escritos de moral e pastoral;

7. Oratórias, e

8. Cartas

Nos últimos anos de sua vida, mais ou menos no ano 427, o próprio Agostinho revisou todas as suas obras publicadas. Sua intenção foi a de examinar atentamente cada uma delas. O fruto deste trabalho foi outra de suas obras, intitulada: “Retratações”, que é única na história da literatura antiga. No final de sua revisão, Agostinho afirma que escreveu 93 tratados em 232 livros. Entre as obras mais importantes estão:

a) Os Diálogos de Cassiciaco, que compreendem todas as obras compostas antes do seu batismo. São elas: “Contra os Acadêmicos”; “Sobre a Vida feliz’; “Sobre a Ordem”; “Solilóquios”. Estas obras, e as que foram escritas logo após o Batismo constituem os “escritos filosóficos”.

São os escritos compostos no sítio Cassiciaco, perto de Milão, em forma dialogada, quando se retirou para se preparar para receber o sacramento do batismo.

Já dissemos que Agostinho não estava só. Numerosos amigos o acompanhavam. E aquele retiro durou perto de sete meses, sendo verdadeiramente uma vida de paz e contemplação espiritual. Do ambiente essencialmente contemplativo de Cassiciaco e das conversas diárias das pessoas que ali estavam, nasceram estas obras que hoje são lidas com profundo interesse e contentamento espiritual.

Agostinho, depois de ter conversado com seus amigos, quer conversar consigo mesmo. Destas conversas nascem os “Solilóquios”, última das obras escrita no sitio de Verecundo. Os “Solilóquios” são um monumento insigne do gênio de Agostinho. Junto com as “Confissões”, nos ajudam a explorar as mais íntimas profundidades da consciência do nosso jovem, no momento mais crítico de sua vida.

b) As Confissões. Podem ser consideradas como uma das maiores obras da literatura universal. Além do valor literário, contêm inestimáveis valores espirituais.

Agostinho sentiu a necessidade de recordar seu passado e rever todos os favores que Deus lhe concedeu. Os treze livros das “Confissões” são um hino de ação de graças, um canto de louvor e reconhecimento a Deus, que criou tudo e orientou tudo para salvar o filho pródigo.

Às vezes, o leitor se cansa com as preces que interrompem o curso da narração. Acontece que Agostinho não quer contar uma história, a história de sua vida; quer, isto sim, dar testemunho da misericórdia de Deus.

O que são os acontecimentos exteriores em sua vida? Por que foi a Tagaste, a Madaura, a Cartago, a Roma e a Milão? Porque a mão de Deus o conduziu até o momento preciso em que queria manifestar seu poder e misericórdia. Uma só coisa conta a seus olhos: a resposta de Deus. E esta resposta não se produziria se o Senhor não a houvesse pronunciado por sua boca.

c) A Cidade de Deus. É um escrito ligado às circunstâncias. Por causa da invasão dos godos e do saque de Roma pelos vândalos de Alarico (410), os pagãos acusaram o cristianismo, culpando-lhe dos males acontecidos. Agostinho ouviu tais acusações; viu-se obrigado a respondê-las e compôs esta obra em 22 livros.

A Cidade de Deus é um monumento estupendo pela originalidade de forma e do pensamento, pela amplidão de desenhos, pela abundância de fatos e de ideias. Podemos considerá-la como a enciclopédia do século V: não há nada que não seja descrito em suas páginas. Nesta obra colossal se reuniu todo o saber humano. Nela encontramos uma filosofia da história, uma defesa do cristianismo, uma moral, uma física; e, junto a tudo isto, uma profunda erudição sagrada e profana, exposta em estilo eficaz e com eloquência fascinante.

d) O Epistolário. As “Cartas” de Santo Agostinho podem ser consideradas como o complemento da maravilhosa produção literária do santo. Apesar das muitas que se perderam, temos uma abundante coleção, que soma 276. Nem todas são de Agostinho: entre essas 276 há 53 em que seus destinatários se dirigem a ele.

As “Cartas” de Santo Agostinho são, sobretudo, de caráter didático. Sempre tem que demonstrar, esclarecer ou defender a verdade. Daí o tom de gravidade solene, doutrinal, catedrático, que se assemelha um pouco aos tratados e aos sermões.

As “Cartas” agostinianas são importantes porque nos fazem conhecer a atividade do bispo de Hipona, a evolução do seu pensamento e as condições intelectuais, morais e culturais da época. Uma multidão de religiosos, de leigos, de imperadores, de hereges, de virtuosos, de culpados, escrevem e recebem cartas de Agostinho.

e) Os Sermões: Já foi dito algo a respeito dos pronunciamentos de Santo Agostinho (Lição número 9). Normalmente pregava todos os domingos e dias de festa. Em geral, pregava sem levar escrito o que ia dizer; contentava-se em meditar as passagens bíblicas que deviam constituir o esqueleto do discurso.

Enquanto o bispo falava, os fieis escutavam de pé, como nos diz em algumas ocasiões o mesmo pregador. Este costume especial da Igreja africana, diferente da Itália e Gália, e que o próprio Agostinho reprova, pode explicar a brevidade às vezes excessiva, da maior parte dos sermões agostinianos.

Estenógrafos ou taquígrafos de ofício recolhiam as palavras do bispo. Desta maneira, formaram-se coleções de homilias, mais ou menos volumosas, que se difundiram, não só na África, mas por todo o mundo cristão.

Sem dúvida alguma que, sob o nome de Agostinho, começaram a circular outras coleções ou sermões que, certamente, não eram de Agostinho. Dai a confusão que muitas vezes surge com alguns desses sermões que, duvidosamente, se atribuem a Santo Agostinho.

Ao falar dos “SERMÕES DE SANTO AGOSTINHO” temos que fazer menção dos “Comentários aos Salmos”. Trata-se de sermões ou comentários a cada um dos 150 salmos da Bíblia. São, em geral, muito mais extensos que os mesmos sermões. Os temas são muito variados: catequese, moral, vida espiritual, etc.

 

O PROGRESSO NA IGREJA CATÓLICA POR OBRA DE SANTO AGOSTINHO

Dilatando-se, pois, a divina doutrina, alguns servos de Deus que viviam no mosteiro sob a direção e companhia de Santo Agostinho, começaram a ser ordenados clérigos para a Igreja de Hipona. E mais tarde no auge e resplendor do dia-a-dia da verdade da pregação da Igreja Católica, assim como do modo de viver dos santos e servos de Deus, sua continência e pobreza exemplar, a paz e unidade da Igreja, com grande solicitação começou primeiro a pedir e receber bispos e clérigos do mosteiro que havia começado a existir e florescia com aquele insigne varão. Pois, uns dez santos e veneráveis varões, continentes e doutos, que eu mesmo conheci, enviou Santo Agostinho sob pedido de várias igrejas, algumas de categoria. E eles também, seguindo o ideal daqueles santos, dilataram a Igreja e fundaram mosteiros. E, aumentando o desejo da edificação pela palavra divina, ordenando novos religiosos, proveram de ministros outras igrejas. Assim se expandia por muitos e entre muitos a doutrina saudável da fé, esperança e caridade da Igreja, não só por todas as partes da África, senão também por ultramar. (São Possídio)