Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

INFÂNCIA E MENINICE

 

Gozava da amizade...

Fugia da ignorância...

Agostinho viu a luz do dia a treze de Novembro do ano de trezentos e cinqüenta e quatro. Como qualquer outra criança, logo após o nascimento, saboreou o prazer do leito materno. Então, dirá ele próprio, "não conhecia eu outra coisa além de mamar, gozar esse prazer e chorar quando me sentia incomodado no corpo. Nada mais." (I, 6,7).

"Depois, prossegue, comecei a rir; ao princípio enquanto dormia, depois acordado. Assim me disseram que eu fazia. Acredito‑o porque é o que vejo nas outras crianças... Queria exprimir os meus desejos aos outros para que os executassem e não podia. Por isso agitava as pernas e os braços e gritava. Quando não me satisfaziam, zangava‑me com os meus adultos porque não me obedeciam e vingava‑me deles chorando. Aos outros, muitos, que não faziam caso dos meus sinais e caprichos, tentava fazer‑lhes o maior mal possível batendo‑lhes com as minhas mãozinhas. Não sabia que, se tivessem obedecido aos meus desejos, teria sido para meu mal" (I, 7, 11). Por fim, "entre as carícias dos meus e as brincadeiras e festas dos que se riam comigo, observando‑os, fui aprendendo a falar" (I, 14, 23). Aqui acabou a sua infância.

Também a meninice de Agostinho foi igual à dos outros meninos. Os seus pais preocuparam‑se com a sua educação, com os seus estudos. Em Tagaste teve de ir à escola. Aí o levaram para que aprendesse a ler e a escrever. "Eu, triste de mim, escreverá mais tarde, não sabia qual a utilidade que tinha" (I, 9, 14). O medo dos açoites era a única razão que o obrigava a estudar. É conhecido de todos o ditado que diz "a letra com sangue entra". Tais açoites, além de o impelirem a estudar, conduziam‑no a Deus. Na escola, Agostinho menino, aprendeu a experimentar, na medida das suas possibilidades que Deus é um Ser Grande; ainda que não se manifeste aos nossos sentidos pode ouvir‑nos e socorrer‑nos. Deste modo, já desde pequenino, rogava a Deus, com não pequeno afeto, que não o açoitassem na escola.

Pois, desde rapazinho, recebeu também educação cristã. "Já então eu acreditava em Deus, acreditava a minha mãe e toda a casa, exceto meu pai... Pois, mal sai do ventre de minha mãe, fui assinalado com a cruz e provei o sal bendito" (I, 11, 17), quer dizer, fez‑se catecúmeno ou candidato ao batismo. A fé era profunda. Tendo ainda poucos anos e sentindo‑se, de repente fatigado por uma opressão no peito, com grande fé e não menos fervor, pediu que o batizassem. Mas em seguida começou a melhorar e, em conseqüência, não se lhe administrou então o batismo, segundo o costume da época. Pensavam todos, e Mônica a primeira, que muito provavelmente iria perder logo a graça batismal e que o pecado de um batizado é sempre maior. Decidiram pois deixá‑lo para mais tarde depois de passadas as turbulências da adolescência.

Os açoites que Agostinho tanto temia não eram de todo injustificáveis, a julgar pelas suas palavras: "Pecávamos, escrevendo, lendo ou pensando no estudo menos do que nos era pedido. E não era por falta de memória ou de inteligência, que Deus no‑la tinha dado em grau suficiente para aquela idade. A causa era que nós gostávamos de brincar" (I, 9, 15). Agostinho, já bispo, contava as suas travessuras de então: "Pecava eu, Deus meu, desobedecendo às ordens de meus pais e mestres que queiram que eu aprendesse. Se desobedecia, coisa freqüente, não era para fazer algo melhor do que me mandavam, mas sim, por amor à brincadeira" (I, 10, 16). Ansiava por triunfar sempre. Fascinava‑o todo o tipo de contos, sentia‑se cheio de curiosidade e os olhos iam‑lhe atrás de todo o espetáculo. Gostava de tudo menos das letras e que lhas obrigassem a estudar. Muitos anos mais tarde, reconhecerá que com isso lhe proporcionaram um bem imenso. E reconhecerá que quem não agia com retidão era ele ao não estudar senão quando o forçavam. "Porque, diz, o que age contra a sua vontade não age bem apesar de ser bom o que faz" (I, 12, 29). Do seu erro em não querer estudar se servia Deus para castigá‑lo. "Tinha‑o bem merecido eu, menino tão pequeno e tão grande pecador" (id.).

O estudo do grego começava, naquela época, desde os primeiros anos. A Agostinho nunca lhe agradou. Detestava a língua de Homero que lhe amargurou os primeiros anos de escola. Em vez disso, afeiçoou‑se ao latim, não à gramática mas sim à literatura. Porque aprender a ler, escrever ou contar foi para ele menos aborrecido ou enfadonho do que o grego. No entanto não tinha dificuldade em aprender de cor os poetas latinos, especialmente Virgílio. Gozava recitando as aventuras de Eneias e até chorando a morte de Dido, que se suicidou por amor. Grande incoerência, escreverá mais tarde. "Se perguntasse o que seria mais prejudicial para alguém, se esquecer‑se de ler e escrever ou esquecer‑se daquelas fábulas, quem não responderia que o primeiro?" (I, 13, 22).

A inteligência de Agostinho era grande e ele próprio estava convencido disso. Todos afirmavam dele "era uma criança de grandes esperanças" (I, 17, 27). Se alguma coisa roubava aos companheiros era os aplausos. Quase sempre vencedor nos concursos, ele arrebatava todos os aplausos. Tal talento, no entanto, devia ser causa freqüente de muito aborrecimento. Na verdade, o "um e um, dois; dois e dois, quatro" era para ele uma cantilena insuportável.

Já na sua idade madura, o bispo publica candidamente os pecados da meninice. "Entre os meus companheiro quem mais travesso do que eu? Enganava com inúmeras mentiras o pedagogo, os professores, os meus pais. Tudo por amor da brincadeira e pelo gosto de ver espetáculos inúteis e depois imitar o que tinha visto. Fazia também furtos na despensa da casa e da mesa. As vezes pela guloseima; noutras ocasiões para dar qualquer coisa aos rapazes para me deixarem brincar com eles. No jogo, vencido pelo desejo de me salientar, fazia batota. por sua vez nada me era mais insuportável que descobrir outro fazendo a mesma batota que eu tinha feito. Atirava‑lho à cara violentamente. Se pelo contrário me apanhavam a mim e mo censuravam, antes que ceder, preferia enfurecer‑me" (I, 19, 20).

Quem reconhece os seus pecados conhece também os seus valores e agradece‑os a Deus. "Não queria ser enganado, tinha boa memória, ia adquirindo facilidade para falar, gozava da amizade, fugia da dor, da afronta, da ignorância" (I, 20, 31).

Madaura esperava‑o para aí continuar os seu estudos.

E ESTES OS SEUS PAIS

 

Meus pais nesta luz;

 meus irmãos no seio da mãe católica,

meus concidadãos na Jerusalém eterna

 

O lar em que Agostinho veio ao mundo era formado por Patrício e Mônica.

Patrício era "por um lado extremoso no carinho; por outro, arrebatado na ira" (IX, 9, 19). Em Tagaste, o seu nome andava de boca em boca, quase sempre para o elogiarem. Gastou quanto foi necessário para que seu filho pudesse seguir os estudos sem que lhe importasse a escassez dos seus bens. Outros vizinhos seus, bem mais ricos do que ele, nunca se tinham dado a semelhante trabalho. Amava o seu sangue, que queria ver continuado na sua descendência, donde a sua alegria quando descobre, em Agostinho, os sinais de um homem que lha pode proporcionar. Morrerá assim que Agostinho chegue a Cartago para continuar o estudo da retórica. Nas Confissões, o filho recordá-lo-á apenas de passagem.

Mônica foi educada na fé cristã desde a infância. Segundo o costume da época, casou‑se com quem lhe deram por marido, não com o homem livremente escolhido por ela. Mas serviu‑o como teria servido o próprio Senhor. Esforçou‑se por o cativar para Deus, falando‑lhe d'Ele com os seus modos e hábitos. Eram estes que a tornavam formosa, amável e digna de admiração aos olhos do marido. Amava os filhos e ansiava tê‑los sempre a seu lado. "Deseja ter‑me consigo, como é costume das mães, mas muito mais do que a maioria delas" (V, 8,15).

Patrício e Mônica não se pouparam a sacrifícios em prol da educação de Agostinho. Ambos viviam na esperança de ver nele um sábio. Ambos desejavam ardentemente que fosse bom estudante: o pai porque, não pensando em Deus, fazia castelos no ar a respeito do filho; a mãe porque estava convencida que os estudos não são um impedimento, antes uma grande ajuda, para chegar a Deus.

Mãe piedosa e fiel serva de Deus, chorava os desvarios do filho "mais que outras mães choram a morte do corpo" (III, 11,19). Viúva casta e sábia "como as que Deus ama", não cessava de chorar por ele diante de Deus em todas as suas orações. Rezava e atuava. Visitava bispos, pedindo‑lhes que se dignassem a falar com Agostinho para refutar os seus erros e ensinar‑lhe a sã doutrina. Não lhe fizeram caso, mas de um deles ouviu esta consoladora resposta "Vai em paz, mulher; não é possível que pereça um filho que tem custado tantas lágrimas" (II, 12, 21).

Chora amargamente a separação do filho quando este parte para Roma. No entanto o que mais dor lhe causou foi ter‑se sentido enganada. Segue‑o, por terra e por mar, animando os marinheiros quando se levantava alguma tempestade, primeiro até Roma e depois a Milão. Freqüentava devotamente a Igreja e ficava suspensa das palavras de S. Ambrósio, a quem obedeceu em tudo. Insiste com Agostinho para que se case deixando‑se levar, talvez, de ocultos egoísmos. Como todos os filhos de Adão também teve as suas debilidades.

É ela a primeira a receber a notícia da conversão do filho. O seu regozijo é imenso e o seu júbilo sem limites. Dá graças a Deus porque lhe tinha concedido mais do que costumava pedir nas suas orações, acompanhadas de lágrimas. Também conquistou para Deus o seu marido. Pouco antes de morrer, Patrício entrou na família cristã por meio do novo nascimento do batismo.

Mônica morre em Hóstia Tiberina, junto a Roma, e o seu testamento foi: "Enterrai este corpo em qualquer parte. Não vos preocupe mais o seu cuidado. Só vos peço que onde quer que estejais vos lembreis de mim diante do altar do Senhor" (IX, 11, 28). Ela contava 56 anos e Agostinho 33. Os seus restos mortais repousam hoje na Igreja de Santo Agostinho de Roma.

Isto é quase tudo o que Agostinho refere acerca de seu pai e algumas coisas, poucas, das muitas que deixou escritas sobre sua mãe. Como se explica tal desproporção?

Patrício foi pai, Mônica duas vezes mãe. Ambos lhe deram a vida do corpo. Mônica, além disso, deu‑lhe a da alma, a fé cristã. Com a educação dada desde a primeira infância, com o exemplo, com as suas lágrimas e súplicas quando estava no erro. A Agostinho, convertido e bispo da Igreja Católica, importavam‑lhe menos os nove meses que o trouxe no seio do que os nove anos do seu erro maniqueu, durante os quais ela o trouxe no coração. Apreciava muito que tivesse dado o seu contributo para fazer e alimentar aquele corpinho, mas apreciava, infinitamente mais, que tivesse semeado, na sua alma, a semente da fé cristã e a tivesse regado com as suas lágrimas e feito descer o orvalho divino pelas suas orações até que, um dia, brotou e cresceu a árvore frondosa de uma vida consagrada a Deus. Nisto Patrício não teve parte alguma, já foi bastante não ter posto obstáculos à influência piedosa da mãe sobre o filho. Ele não era crente, mas nunca se opôs a que Agostinho pertencesse à Igreja. Agora compreende‑se a razão de tantas páginas dedicadas a Mônica. A vida da mãe corre a par da do filho, como se verá no que se segue.

O livro IX das Confissões é um canto de louvor às virtudes da mãe e ação de graças a Deus que lha deu. Poucas vezes, a grandeza do filho obteve tanta grandeza para a mãe, a exemplo do Filho e Mãe de Deus.

Fruto do matrimônio de Patrício e Mônica foram também Navígio e Perpétua. Agostinho é muito sóbrio ao falar deles. O brilho da sua figura ofuscou os que tinham o mesmo sangue.

UM ENCONTRO COM A VIDA. ESTA FOI A SUA PÁTRIA

 

O Africano

Santo Agostinho foi filho da África, abundantemente regada com o sangue dos mártires. A sua terra natal foi Tagaste. Na atualidade, é uma pequena vila da Argélia com cerca de dois mil habitantes chamada Souk‑Ahras. Quando Agostinho ali viu pela primeira vez a luz do dia, era uma pequena vila sem importância de maior, cujo número de habitantes não podemos indicar. Pertencia à província da Numídia, uma das muitas em que estava dividido o imenso império romano. Situada numa meseta, a setecentos metros de altitude, o sustento necessário era‑lhe fornecido pelos pequenos vales dos arredores, cobertos de searas e olivais. Entre os seus habitantes e o Mar Mediterrâneo, situado a pouco mais de 300 kms, interpunham‑se grandes pinhais.

Apesar dos cereais e das azeitonas aquela gente conhecia a pobreza. Trabalhava a terra, ganhava com o suor do seu rosto o pão, que iam comer os cidadãos ociosos de Roma ou os soldados que se encontravam junto do Reno ou do Danúbio, defendendo as fronteiras do império, constantemente ameaçadas pelos bárbaros. Os impostos e as taxas oprimiam os pobres camponeses. No entanto, não lhes faltava tempo para assistir, no anfiteatro, aos jogos e caçadas de feras organizadas pelos ricaços das vilas, "os únicos que viviam", à sombra dos quais procuravam proteção. Em troca dela, os senhores apenas pediam uma vênia ou um simples descobrir‑se. Outras vezes conformavam‑se com a glória de ver levantada uma estátua em sua honra no foro da cidade.

O império, que agora lhes comia o pão, havia-lhes dado outro: o da cultura. Ali falava‑se o latim, se bem que muitos camponeses falassem também o púnico ou, talvez só, o púnico, medida que se avançava para o interior isto era o mais freqüente.

O cristianismo tinha já penetrado com firmeza. Poucos anos antes do nascimento de Agostinho, a cidade tinha sido donatista na sua totalidade, mas logo voltou à unidade católica como conseqüência das leis imperiais. A conversão foi algo mais do que oportunista. Agostinho escreveria, mais tarde, que os seus habitantes detestavam tanto o donatismo que dava a impressão de nunca terem estado do seu lado. Mas Cristo ainda não tinha entrado em todos os lares nem em todos os corações, como veremos na família de Agostinho. Agostinho só passou uma parte mínima da sua vida na terra natal. Depressa procurará horizontes mais amplos. O mar, que agora estava longe, far‑lhe‑á companhia durante muitos anos da sua afanosa existência.

Para começar

AS CONFISSÕES: diário de Agostinho ou... "biografia" de Deus?

Fizestes‑nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Vós.

Agostinho tem já quarenta e três anos. É bispo há dois anos, com grande pena sua. Tem de renunciar aos seus sonhos de passar a vida entregue à oração, à contemplação e ao estudo. As suas ocupações de bispo tomam‑lhe muitas horas do dia mas ainda encontra tempo para escrever cartas aos amigos, resolver questões doutrinais difíceis, refutar hereges, comentar as Escrituras, celebrar o culto, etc.. E, o que mais nos interessa aqui, para escrever as suas Confissões, a mais famosa das suas obras, a que se lê com mais gosto, a que sempre nos comove como também o comovia a ele.

Que são as Confissões? Eu diria que são um diário de Agostinho e uma "biografia" de Deus. É difícil averiguar se Agostinho fala mais de si próprio ou de Deus. Também não interessa muito, porque fala o suficiente de ambos. Nas Confissões, deixou‑nos um diário dos seus sentimentos; ou melhor ainda, do seu coração. Não são uma vida de Agostinho, mas sim a vida do coração de Agostinho: o que amou e o que odiou; o que amou mais e o que amou menos; o que amou bem e o que amou mal. Pessoas, coisas e idéias, tudo. Deixou‑nos tudo isto escrito ao longo de treze livros. Os nove primeiros tratam da sua vida até à sua conversão e batismo, o décimo fala‑nos dos seus anos de escritor; os três últimos são dedicados à Sagrada Escritura. Agostinho, bispo, repensa a sua vida. Para que nada fique obscuro, fá‑lo à luz de Deus, que tudo penetra e tudo ilumina. Assim no‑la apresenta para que a possamos ver e contemplar. Para que possamos conhecer quem foi Agostinho e como é Deus.

As Confissões são também uma "biografia" de Deus. A Ele são dirigidas todas e cada uma das linhas desta obra. Linhas que são freqüentemente a Sua própria palavra. Foram arrancadas da Bíblia e transcritas aqui. As Confissões são uma oração a Deus, escrita com palavras de Deus. O Deus que se oculta ou se manifesta, mas que está sempre presente; que Agostinho conhece ou desconhece mas que procura sempre; que castiga ou corrige mas que ama sempre. O Deus vivo e providente, que se preocupa com as suas criaturas e segue os seus passos, não o Deus dos filósofos, desinteressado deste mundo. O Deus a quem Agostinho entoa um cântico de louvor, de ação de graças e outro de súplica de perdão, que são: as Confissões. O Deus a quem Agostinho pode dirigir‑se com estas palavras: "Chamaste e clamaste e rompeste a minha surdez; relampejaste, resplandeceste e afugentaste a minha cegueira; exalaste perfume, respire-o e suspiro por ti; provei‑te e tenho fome e sede; tocaste‑me e abrasei‑me em desejo da tua paz" (Confissões, X, 27, 38).

Assim, as Confissões apresentam‑nos duas vidas, dois corações que se movimentam em torno de amores distintos e que acabam por se unir. Dois caminhos divergentes que de forma maravilhosa, terminam unindo‑se. Dizemos dois mas poderíamos dizer infinitos. Quantos não se têm sentido refletidos nas páginas das Confissões? A história de Agostinho tem sido a de muitos jovens e continua a ser a de muitos mais. O bispo de Hipona sabia‑o; por isso, se propôs escrever este livro com o coração nas mãos e com a tinta das suas lágrimas.

Enquanto Agostinho compunha a obra do seu coração, queria associar os seus amigos ao canto de louvor, de ação de graças e de súplica de perdão: "Que muitos te dêem graças por mim e muitos te roguem por mim". Não vamos rogar por ele porque não o necessita, mas sim, em vez disso, continuaremos a dar graças a Deus porque obrou maravilhas em Agostinho e agradeceremos a Agostinho o ter‑nos deixado as suas Confissões, guiados pelas quais vamos traçar esta imagem biográfica.

" As confissões das minhas malfeitorias passadas que Tu me perdoaste cobrindo‑as com a tua indulgência, para me fazeres feliz em Ti, transformando a minha alma com a fé e o teu sacramento (batismo), quando se lêem ou se ouvem despertam o coração para que não adormeça no desespero, não diga NÃO POSSO, mas sim, que esteja vigilante, no amor da tua misericórdia e na doçura da tua graça, com a qual é poderoso todo o homem fraco que chega, por ela, a conhecer a sua fraqueza. E aos bons é deleitoso ouvir os males passados daqueles que já escaparam deles (Confissões, X, 3, 4).