AS CONFISSÕES: diário de Agostinho ou... "biografia" de Deus?
Fizestes‑nos para Vós, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Vós.
Agostinho tem já quarenta e três anos. É bispo há dois anos, com grande pena sua. Tem de renunciar aos seus sonhos de passar a vida entregue à oração, à contemplação e ao estudo. As suas ocupações de bispo tomam‑lhe muitas horas do dia mas ainda encontra tempo para escrever cartas aos amigos, resolver questões doutrinais difíceis, refutar hereges, comentar as Escrituras, celebrar o culto, etc.. E, o que mais nos interessa aqui, para escrever as suas Confissões, a mais famosa das suas obras, a que se lê com mais gosto, a que sempre nos comove como também o comovia a ele.
Que são as Confissões? Eu diria que são um diário de Agostinho e uma "biografia" de Deus. É difícil averiguar se Agostinho fala mais de si próprio ou de Deus. Também não interessa muito, porque fala o suficiente de ambos. Nas Confissões, deixou‑nos um diário dos seus sentimentos; ou melhor ainda, do seu coração. Não são uma vida de Agostinho, mas sim a vida do coração de Agostinho: o que amou e o que odiou; o que amou mais e o que amou menos; o que amou bem e o que amou mal. Pessoas, coisas e idéias, tudo. Deixou‑nos tudo isto escrito ao longo de treze livros. Os nove primeiros tratam da sua vida até à sua conversão e batismo, o décimo fala‑nos dos seus anos de escritor; os três últimos são dedicados à Sagrada Escritura. Agostinho, bispo, repensa a sua vida. Para que nada fique obscuro, fá‑lo à luz de Deus, que tudo penetra e tudo ilumina. Assim no‑la apresenta para que a possamos ver e contemplar. Para que possamos conhecer quem foi Agostinho e como é Deus.
As Confissões são também uma "biografia" de Deus. A Ele são dirigidas todas e cada uma das linhas desta obra. Linhas que são freqüentemente a Sua própria palavra. Foram arrancadas da Bíblia e transcritas aqui. As Confissões são uma oração a Deus, escrita com palavras de Deus. O Deus que se oculta ou se manifesta, mas que está sempre presente; que Agostinho conhece ou desconhece mas que procura sempre; que castiga ou corrige mas que ama sempre. O Deus vivo e providente, que se preocupa com as suas criaturas e segue os seus passos, não o Deus dos filósofos, desinteressado deste mundo. O Deus a quem Agostinho entoa um cântico de louvor, de ação de graças e outro de súplica de perdão, que são: as Confissões. O Deus a quem Agostinho pode dirigir‑se com estas palavras: "Chamaste e clamaste e rompeste a minha surdez; relampejaste, resplandeceste e afugentaste a minha cegueira; exalaste perfume, respire-o e suspiro por ti; provei‑te e tenho fome e sede; tocaste‑me e abrasei‑me em desejo da tua paz" (Confissões, X, 27, 38).
Assim, as Confissões apresentam‑nos duas vidas, dois corações que se movimentam em torno de amores distintos e que acabam por se unir. Dois caminhos divergentes que de forma maravilhosa, terminam unindo‑se. Dizemos dois mas poderíamos dizer infinitos. Quantos não se têm sentido refletidos nas páginas das Confissões? A história de Agostinho tem sido a de muitos jovens e continua a ser a de muitos mais. O bispo de Hipona sabia‑o; por isso, se propôs escrever este livro com o coração nas mãos e com a tinta das suas lágrimas.
Enquanto Agostinho compunha a obra do seu coração, queria associar os seus amigos ao canto de louvor, de ação de graças e de súplica de perdão: "Que muitos te dêem graças por mim e muitos te roguem por mim". Não vamos rogar por ele porque não o necessita, mas sim, em vez disso, continuaremos a dar graças a Deus porque obrou maravilhas em Agostinho e agradeceremos a Agostinho o ter‑nos deixado as suas Confissões, guiados pelas quais vamos traçar esta imagem biográfica.
" As confissões das minhas malfeitorias passadas que Tu me perdoaste cobrindo‑as com a tua indulgência, para me fazeres feliz em Ti, transformando a minha alma com a fé e o teu sacramento (batismo), quando se lêem ou se ouvem despertam o coração para que não adormeça no desespero, não diga NÃO POSSO, mas sim, que esteja vigilante, no amor da tua misericórdia e na doçura da tua graça, com a qual é poderoso todo o homem fraco que chega, por ela, a conhecer a sua fraqueza. E aos bons é deleitoso ouvir os males passados daqueles que já escaparam deles (Confissões, X, 3, 4).
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