Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

E ESTES OS SEUS PAIS

 

Meus pais nesta luz;

 meus irmãos no seio da mãe católica,

meus concidadãos na Jerusalém eterna

 

O lar em que Agostinho veio ao mundo era formado por Patrício e Mônica.

Patrício era "por um lado extremoso no carinho; por outro, arrebatado na ira" (IX, 9, 19). Em Tagaste, o seu nome andava de boca em boca, quase sempre para o elogiarem. Gastou quanto foi necessário para que seu filho pudesse seguir os estudos sem que lhe importasse a escassez dos seus bens. Outros vizinhos seus, bem mais ricos do que ele, nunca se tinham dado a semelhante trabalho. Amava o seu sangue, que queria ver continuado na sua descendência, donde a sua alegria quando descobre, em Agostinho, os sinais de um homem que lha pode proporcionar. Morrerá assim que Agostinho chegue a Cartago para continuar o estudo da retórica. Nas Confissões, o filho recordá-lo-á apenas de passagem.

Mônica foi educada na fé cristã desde a infância. Segundo o costume da época, casou‑se com quem lhe deram por marido, não com o homem livremente escolhido por ela. Mas serviu‑o como teria servido o próprio Senhor. Esforçou‑se por o cativar para Deus, falando‑lhe d'Ele com os seus modos e hábitos. Eram estes que a tornavam formosa, amável e digna de admiração aos olhos do marido. Amava os filhos e ansiava tê‑los sempre a seu lado. "Deseja ter‑me consigo, como é costume das mães, mas muito mais do que a maioria delas" (V, 8,15).

Patrício e Mônica não se pouparam a sacrifícios em prol da educação de Agostinho. Ambos viviam na esperança de ver nele um sábio. Ambos desejavam ardentemente que fosse bom estudante: o pai porque, não pensando em Deus, fazia castelos no ar a respeito do filho; a mãe porque estava convencida que os estudos não são um impedimento, antes uma grande ajuda, para chegar a Deus.

Mãe piedosa e fiel serva de Deus, chorava os desvarios do filho "mais que outras mães choram a morte do corpo" (III, 11,19). Viúva casta e sábia "como as que Deus ama", não cessava de chorar por ele diante de Deus em todas as suas orações. Rezava e atuava. Visitava bispos, pedindo‑lhes que se dignassem a falar com Agostinho para refutar os seus erros e ensinar‑lhe a sã doutrina. Não lhe fizeram caso, mas de um deles ouviu esta consoladora resposta "Vai em paz, mulher; não é possível que pereça um filho que tem custado tantas lágrimas" (II, 12, 21).

Chora amargamente a separação do filho quando este parte para Roma. No entanto o que mais dor lhe causou foi ter‑se sentido enganada. Segue‑o, por terra e por mar, animando os marinheiros quando se levantava alguma tempestade, primeiro até Roma e depois a Milão. Freqüentava devotamente a Igreja e ficava suspensa das palavras de S. Ambrósio, a quem obedeceu em tudo. Insiste com Agostinho para que se case deixando‑se levar, talvez, de ocultos egoísmos. Como todos os filhos de Adão também teve as suas debilidades.

É ela a primeira a receber a notícia da conversão do filho. O seu regozijo é imenso e o seu júbilo sem limites. Dá graças a Deus porque lhe tinha concedido mais do que costumava pedir nas suas orações, acompanhadas de lágrimas. Também conquistou para Deus o seu marido. Pouco antes de morrer, Patrício entrou na família cristã por meio do novo nascimento do batismo.

Mônica morre em Hóstia Tiberina, junto a Roma, e o seu testamento foi: "Enterrai este corpo em qualquer parte. Não vos preocupe mais o seu cuidado. Só vos peço que onde quer que estejais vos lembreis de mim diante do altar do Senhor" (IX, 11, 28). Ela contava 56 anos e Agostinho 33. Os seus restos mortais repousam hoje na Igreja de Santo Agostinho de Roma.

Isto é quase tudo o que Agostinho refere acerca de seu pai e algumas coisas, poucas, das muitas que deixou escritas sobre sua mãe. Como se explica tal desproporção?

Patrício foi pai, Mônica duas vezes mãe. Ambos lhe deram a vida do corpo. Mônica, além disso, deu‑lhe a da alma, a fé cristã. Com a educação dada desde a primeira infância, com o exemplo, com as suas lágrimas e súplicas quando estava no erro. A Agostinho, convertido e bispo da Igreja Católica, importavam‑lhe menos os nove meses que o trouxe no seio do que os nove anos do seu erro maniqueu, durante os quais ela o trouxe no coração. Apreciava muito que tivesse dado o seu contributo para fazer e alimentar aquele corpinho, mas apreciava, infinitamente mais, que tivesse semeado, na sua alma, a semente da fé cristã e a tivesse regado com as suas lágrimas e feito descer o orvalho divino pelas suas orações até que, um dia, brotou e cresceu a árvore frondosa de uma vida consagrada a Deus. Nisto Patrício não teve parte alguma, já foi bastante não ter posto obstáculos à influência piedosa da mãe sobre o filho. Ele não era crente, mas nunca se opôs a que Agostinho pertencesse à Igreja. Agora compreende‑se a razão de tantas páginas dedicadas a Mônica. A vida da mãe corre a par da do filho, como se verá no que se segue.

O livro IX das Confissões é um canto de louvor às virtudes da mãe e ação de graças a Deus que lha deu. Poucas vezes, a grandeza do filho obteve tanta grandeza para a mãe, a exemplo do Filho e Mãe de Deus.

Fruto do matrimônio de Patrício e Mônica foram também Navígio e Perpétua. Agostinho é muito sóbrio ao falar deles. O brilho da sua figura ofuscou os que tinham o mesmo sangue.

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