Gozava da amizade...
Fugia da ignorância...
Agostinho viu a luz do dia a treze de Novembro do ano de trezentos e cinqüenta e quatro. Como qualquer outra criança, logo após o nascimento, saboreou o prazer do leito materno. Então, dirá ele próprio, "não conhecia eu outra coisa além de mamar, gozar esse prazer e chorar quando me sentia incomodado no corpo. Nada mais." (I, 6,7).
"Depois, prossegue, comecei a rir; ao princípio enquanto dormia, depois acordado. Assim me disseram que eu fazia. Acredito‑o porque é o que vejo nas outras crianças... Queria exprimir os meus desejos aos outros para que os executassem e não podia. Por isso agitava as pernas e os braços e gritava. Quando não me satisfaziam, zangava‑me com os meus adultos porque não me obedeciam e vingava‑me deles chorando. Aos outros, muitos, que não faziam caso dos meus sinais e caprichos, tentava fazer‑lhes o maior mal possível batendo‑lhes com as minhas mãozinhas. Não sabia que, se tivessem obedecido aos meus desejos, teria sido para meu mal" (I, 7, 11). Por fim, "entre as carícias dos meus e as brincadeiras e festas dos que se riam comigo, observando‑os, fui aprendendo a falar" (I, 14, 23). Aqui acabou a sua infância.
Também a meninice de Agostinho foi igual à dos outros meninos. Os seus pais preocuparam‑se com a sua educação, com os seus estudos. Em Tagaste teve de ir à escola. Aí o levaram para que aprendesse a ler e a escrever. "Eu, triste de mim, escreverá mais tarde, não sabia qual a utilidade que tinha" (I, 9, 14). O medo dos açoites era a única razão que o obrigava a estudar. É conhecido de todos o ditado que diz "a letra com sangue entra". Tais açoites, além de o impelirem a estudar, conduziam‑no a Deus. Na escola, Agostinho menino, aprendeu a experimentar, na medida das suas possibilidades que Deus é um Ser Grande; ainda que não se manifeste aos nossos sentidos pode ouvir‑nos e socorrer‑nos. Deste modo, já desde pequenino, rogava a Deus, com não pequeno afeto, que não o açoitassem na escola.
Pois, desde rapazinho, recebeu também educação cristã. "Já então eu acreditava em Deus, acreditava a minha mãe e toda a casa, exceto meu pai... Pois, mal sai do ventre de minha mãe, fui assinalado com a cruz e provei o sal bendito" (I, 11, 17), quer dizer, fez‑se catecúmeno ou candidato ao batismo. A fé era profunda. Tendo ainda poucos anos e sentindo‑se, de repente fatigado por uma opressão no peito, com grande fé e não menos fervor, pediu que o batizassem. Mas em seguida começou a melhorar e, em conseqüência, não se lhe administrou então o batismo, segundo o costume da época. Pensavam todos, e Mônica a primeira, que muito provavelmente iria perder logo a graça batismal e que o pecado de um batizado é sempre maior. Decidiram pois deixá‑lo para mais tarde depois de passadas as turbulências da adolescência.
Os açoites que Agostinho tanto temia não eram de todo injustificáveis, a julgar pelas suas palavras: "Pecávamos, escrevendo, lendo ou pensando no estudo menos do que nos era pedido. E não era por falta de memória ou de inteligência, que Deus no‑la tinha dado em grau suficiente para aquela idade. A causa era que nós gostávamos de brincar" (I, 9, 15). Agostinho, já bispo, contava as suas travessuras de então: "Pecava eu, Deus meu, desobedecendo às ordens de meus pais e mestres que queiram que eu aprendesse. Se desobedecia, coisa freqüente, não era para fazer algo melhor do que me mandavam, mas sim, por amor à brincadeira" (I, 10, 16). Ansiava por triunfar sempre. Fascinava‑o todo o tipo de contos, sentia‑se cheio de curiosidade e os olhos iam‑lhe atrás de todo o espetáculo. Gostava de tudo menos das letras e que lhas obrigassem a estudar. Muitos anos mais tarde, reconhecerá que com isso lhe proporcionaram um bem imenso. E reconhecerá que quem não agia com retidão era ele ao não estudar senão quando o forçavam. "Porque, diz, o que age contra a sua vontade não age bem apesar de ser bom o que faz" (I, 12, 29). Do seu erro em não querer estudar se servia Deus para castigá‑lo. "Tinha‑o bem merecido eu, menino tão pequeno e tão grande pecador" (id.).
O estudo do grego começava, naquela época, desde os primeiros anos. A Agostinho nunca lhe agradou. Detestava a língua de Homero que lhe amargurou os primeiros anos de escola. Em vez disso, afeiçoou‑se ao latim, não à gramática mas sim à literatura. Porque aprender a ler, escrever ou contar foi para ele menos aborrecido ou enfadonho do que o grego. No entanto não tinha dificuldade em aprender de cor os poetas latinos, especialmente Virgílio. Gozava recitando as aventuras de Eneias e até chorando a morte de Dido, que se suicidou por amor. Grande incoerência, escreverá mais tarde. "Se perguntasse o que seria mais prejudicial para alguém, se esquecer‑se de ler e escrever ou esquecer‑se daquelas fábulas, quem não responderia que o primeiro?" (I, 13, 22).
A inteligência de Agostinho era grande e ele próprio estava convencido disso. Todos afirmavam dele "era uma criança de grandes esperanças" (I, 17, 27). Se alguma coisa roubava aos companheiros era os aplausos. Quase sempre vencedor nos concursos, ele arrebatava todos os aplausos. Tal talento, no entanto, devia ser causa freqüente de muito aborrecimento. Na verdade, o "um e um, dois; dois e dois, quatro" era para ele uma cantilena insuportável.
Já na sua idade madura, o bispo publica candidamente os pecados da meninice. "Entre os meus companheiro quem mais travesso do que eu? Enganava com inúmeras mentiras o pedagogo, os professores, os meus pais. Tudo por amor da brincadeira e pelo gosto de ver espetáculos inúteis e depois imitar o que tinha visto. Fazia também furtos na despensa da casa e da mesa. As vezes pela guloseima; noutras ocasiões para dar qualquer coisa aos rapazes para me deixarem brincar com eles. No jogo, vencido pelo desejo de me salientar, fazia batota. por sua vez nada me era mais insuportável que descobrir outro fazendo a mesma batota que eu tinha feito. Atirava‑lho à cara violentamente. Se pelo contrário me apanhavam a mim e mo censuravam, antes que ceder, preferia enfurecer‑me" (I, 19, 20).
Quem reconhece os seus pecados conhece também os seus valores e agradece‑os a Deus. "Não queria ser enganado, tinha boa memória, ia adquirindo facilidade para falar, gozava da amizade, fugia da dor, da afronta, da ignorância" (I, 20, 31).
Madaura esperava‑o para aí continuar os seu estudos.
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