Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

20 lições para conhecer a Santo Agostinho

 

O REGRESSO À PÁTRIA: O PRESBÍTERO AGOSTINHO

(Dos 34 aos 37 anos de idade)

A partir da morte de Mônica, a narração das “Confissões”, deixa de ser pessoal, e os quatro últimos livros (X, XI, XII, e XIII) estão consagrados à reflexão sobre o estado de alma de Agostinho no momento em que redige a obra. Com a morte de Mônica, fecha-se um período de sua vida. A partir de então, se inicia um caminho novo. Se quisermos ter em mãos fontes seguras, temos que apelar para outros escritos de Agostinho, sobretudo, para a “Vida de Santo Agostinho”, de São Possídio.

A morte de Mônica mudou os planos de Agostinho. Por causa disto ficou, mais do que pretendia em Óstia, e, estando próximo o inverno, achou perigoso aventurar-se numa viagem pelo mar. Talvez as notícias que chegavam da África, cujas costas estavam bloqueadas pela frota do usurpador Máximo, em luta com o imperador Teodósio, preocupassem os viajantes, temerosos de cair nas mãos do inimigo.

Por estas razões, possivelmente, decidiu voltar a Roma, onde permaneceu por um ano. Lá, não esteve inativo. Preocupou-se em converter a Cristo seus amigos que, com ele, haviam participado de tantos erros. Visitou os mosteiros da cidade, estudando sua organização para ver que modelo adotaria para a comunidade que pensava fundar em Tagaste. Recolheu muitos documentos referentes aos maniqueus, e contra eles escreveu dois livros, demonstrando a falsidade de suas promessas e denunciando a vida desregrada de seus prosélitos.

Também aproveita sua presença em Roma para escrever novas obras: “Os costumes da Igreja Católica”, “Os costumes dos maniqueus”, “Sobre a quantidade da alma”, e “Sobre o livre arbítrio”.

Quando as circunstâncias se tornaram mais favoráveis, Agostinho e seus companheiros embarcaram para a África. Desta vez, o adeus à Itália foi definitivo. Agostinho nunca mais regressou a Roma, nem a Milão, onde passou anos abençoados pela graça de Deus.

No final do verão de 388, desembarca em Cartago. Cinco anos antes, havia partido para livrar-se dos “inoportunos” conselhos de sua mãe, e também dos apelos do Senhor. Agora, regressa conquistado pela bondade de Deus e pelo esplendor da santidade católica.

Agostinho e seus companheiros se detiveram muito pouco em Cartago. Um antigo advogado do substituto do Prefeito, chamado Inocente, os recebe em casa, onde permanecem uns poucos dias.

Logo que chegou em Tagaste, distribuiu aos pobres o pouco que lhe ficou dos bens paternos: a casa e uns campos. Quer, assim, desfrutar da liberdade total e seguir os exemplos dos Padres do deserto. Reserva somente o usufruto da casa, para nela alojar-se com seus companheiros. Seguindo o exemplo dos mosteiros que tinha visto em Milão e Roma, estabelece ai o seu.

Agostinho se sente feliz com seus acompanhantes. Pode ler, orar e dedicar-se ao estudo das Escrituras. Parecia-lhe a realização de um sonho acariciado por longo tempo.

Em Tagaste, terminou e corrigiu muitos dos tratados didáticos, começados em Milão. Entre estes se encontram os seis “Sobre a música”. Não achou oportuno abandonar as artes e letras profanas, Agostinho, como todo sábio, é humano e modesto; nunca fanático. Trata de extirpar o erro das consciências, mas reconhece a debilidade humana.

Dedica-se especialmente a desmascarar aos maniqueus, que continuam proclamando publicamente, nas praças, sua doutrina. Esta idéia deu origem a uma série de tratados escritos, não em forma clássica e elegante, mas num estilo popular e ao alcance dos menos cultos.

Agostinho, além disso, é o homem de negócios para todos os seus concidadãos. Em Tagaste é uma autoridade. Todos sabem que ele é muito influente nas altas esferas e a ele recorrem para obter proteção, conselho e orientação. Ele atende a todos. É o pai, o irmão, o amigo paciente e desinteressado... Não esquece os amigos ausentes e escreve cartas a todos. África, Itália, Espanha, Palestina recebem notícias e conselhos do “monge” de Tagaste, como lhe chamam nessa época. Entre tantas ocupações, e em meio a seus estudos, gozava de uma paz que nunca havia encontrado antes.

Na campina verde e fresquinha, repunha a saúde de seu peito cansado e enfermo e sua mente ia se preparando para as batalhas que estavam por vir. Sentia, lá, uma confiança enorme em Deus. Ante qualquer espetáculo da natureza, elevava-se a Deus.

Assim resume São Possídio a permanência de Agostinho em Tagaste:

Uma vez estabelecido em Tagaste, quase pelo espaço de três anos, renunciando a seus bens, vivia para Deus, com jejuns, orações e boas obras, meditando dia e noite a lei divina. Comunicava aos demais o que recebia do céu com seu estudo e oração, ensinando aos presentes e ausente com suas palavras e escritos” (Vida de S. Agostinho, c. 3).

Durante o retiro em Tagaste teve a tristeza de perder seu filho. Não sabemos quando. Parece que foi no final de sua estada em sua cidade natal. Podemos supor a dor intensa que sofreu Agostinho. Mas, como já fez ao contar a morte de sua mãe, também agora fará calar seu coração de pai frente ao dever e esperanças que lhe impunha a fé. O sexto capítulo do livro nove das Confissões está dedicado à recordação de Adeodato.

A história de como Agostinho chegou ao sacerdócio está rodeada de cenas curiosas e, ao mesmo tempo, comovedoras. No inicio do 391, fez uma viagem a Hipona, cidade que devia ter seus trinta mil habitantes. É uma antiga cidade fenícia, onde os romanos fizeram uma colônia. Sua importância se deve ao seu porto e aos caminhos que a comunicavam a Cirta, Tagaste, Madaura e Tebeste.

O bispo desta cidade, chamado Valério, devido a sua idade avançada já não podia atender aos cristãos. Todos estavam convencidos de que era necessário colocar à frente da Igreja de Hipona um homem jovem, ativo, originário do lugar e, sobretudo, capaz de opor-se aos hereges e cismáticos que abundavam pela cidade.

Certo dia, o bispo Valério pregava na Igreja e se lamentava da falta de um sacerdote que lhe ajudasse. Agostinho estava entre os ouvintes. Foi reconhecido e a multidão começou a gritar: Agostinho, presbítero, Agostinho presbítero!

Agostinho aceitou a vontade do povo como sinal da vontade divina, embora lhe atemorizasse a gravidade do ofício. Não se sentia com forças para este elevado ministério e, sobretudo, reconhecia não estar preparado. Pediu a Valério que lhe concedesse um pouco de tempo para preparar-se. Valério aceitou e emprestou-lhe uma casa de campo, perto de Hipona. Terminado o tempo, foi ordenado sacerdote, convertendo-se em coadjutor do bispo de Hipona.

Sentiu grande dor ao ter que deixar a comunidade de Tagaste. Contudo, logo obteve licença para trazer seus membros para Hipona. Ali estabeleceu nova comunidade e começou a viver com Evódio, Severo, Possídio e Fortunato, isto é, com quase todos que haviam partilhado com ele o retiro de Tagaste. Como Santo Agostinho, também eles foram chamados mais tarde a dirigir outras Igrejas da África, como bispos.

É o próprio Agostinho, quem, resumidamente nos refere estes fatos:

Vim, pois, a esta cidade (Hipona) para ver um amigo, a quem queria ganhar para Deus e para nosso convento. Vinha seguro, porque tínheis bispo. Mas, surpreendendo-me, forçaram-me a receber as ordens sagradas, e por este degrau cheguei à dignidade episcopal. Nada trouxe aqui; só vim com a própria roupa. E, como aqui queria viver em comunidade com meus irmãos, o ancião Valério, de feliz memória, conhecendo meu propósito, me deu o horto, onde agora, está o convento. Comecei a recrutar alguns irmãos que tinham vocação, pobres como eu, pois nada possuíam e, imitando o que eu fiz quando vendi e dei aos pobres o preço da minha pequena herança, seguiram o meu exemplo os que quiseram aderir-se a mim para viver em vida comum, sendo grande e abundantíssima a herança de todos: Deus, nosso Senhor” (Sermão 355, 1-2)

As normas que seguiam no convento não eram exigentes demais, nem excessivamente frouxas. Com o espírito prático que o caracteriza, Agostinho compreendeu que a melhor regra de disciplina era conservar a justa medida. O estudo, a oração de louvor e o exercício prático da caridade fraterna fazem da comunidade de Tagaste um reflexo vivo da primeira comunidade apostólica mandou escrever na parede do refeitório uma frase em latim que, traduzida, fica assim: “Aquele que gosta de falar mal dos ausentes, saiba que é indigno de sentar-se nesta mesa”. Um dia, nos conta São Possídio, como alguns de seus amigos e colegas no episcopado houvessem esquecido esta sentença, os repreendeu com severidade e disse, cheio de caritativo rigor, que, ou haviam de apagar-se aqueles versos ou ele se retiraria imediatamente.

Agostinho exercia em Hipona o cargo de presbítero, de superior do mosteiro e de apóstolo. Atendia na preparação e na instrução dos catecúmenos; defendia a Igreja contra os dissidentes. Em resumo, assim vivia Agostinho e seus monges:

Fundou um mosteiro junto à Igreja e começou a viver com os servos de Deus segundo o modo e a regra estabelecida pelos apóstolos. Sobretudo, cuidava para que ninguém naquela comunidade possuísse bens, que tudo fosse comum e se distribuísse a cada qual segundo sua necessidade... E São Valério, seu ordenante, não cabia em si de gozo... e lhe deu poder para pregar o Evangelho em sua presença e dirigir freqüentemente a palavra ao povo, contra o uso e costume das igrejas da África... Depois, alguns presbíteros, com a permissão de seus bispos, começaram também a pregar ao povo diante de seus pastores” (Vida de Santo Agostinho, cap. 5)

 

ORDENAÇÃO SACERDOTAL DE AGOSTINHO

Regia, então, a igreja católica de Hipona o santo bispo Valério que, movido pela necessidade de seu rebanho, falou e exortou ais fieis para que providenciassem e ordenassem um sacerdote idôneo para a cidade. Os católicos, que já conheciam o gênero de vida e a doutrina de Santo Agostinho, arrebatando-o, porque se achava seguro no meio da multidão, sem prever o que podia acontecer -pois, como ele mesmo nos dizia quando era leigo, se afastava somente das igrejas que não tinham bispo-, o apressaram e, como acontece em tais casos, o apresentaram a Valério para o ordenasse, segundo o exigiam com clamor unânime e grande desejo. Entretanto, ele chorava copiosamente. Não faltaram aqueles que interpretaram mal as suas lágrimas, segundo nos referiu ele mesmo. e, como para consolar-lhe, diziam-lhe que, embora digno de maior honra, contudo, o grau de presbítero estava próximo de episcopado. Sendo assim, aquele homem de Deus, como sei por confidência sua, elevando-se às mais altas considerações, gemia pelos muitos e graves perigos que via cair sobre si com o regime e governo da Igreja. Assim se fez o que eles quiseram” (Vida de Santo Agostinho, cap. 4)

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