Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

CARTA DE TEU AMIGO, AGOSTINHO 1

Querido amigo:

Pedem-me que te fale de minha vida... Dizem que, apesar do tempo, é em muitos aspectos igual à tua... Talvez não seja para tanto...

O ambiente em que me coube viver não se parece muito com este; embora em Deus todos somos contemporâneos.

Começarei com um pouco de ordem...

Nasci em 13 de novembro do ano 354, em Tagaste, um bonito povoado da província romana da Numidia, atual Argélia.

Sim, sou africano, embora, este lugar tenha mudado bastante desde então...

Economicamente era uma das cidades mais ricas do império e culturalmente podíamos ser quase comparados a Roma.

No aspecto religioso a maioria das pessoas era cristã, embora muito divididas e também existia um bom número de nostálgicos adoradores de deuses antigos, dentre eles, meu pai...

De minha família... Que posso contar? Meu pai chamava-se Patrício e minha mãe Mônica. Seu casamento não andou muito bem... Eram diferentes em quase tudo: caráter, idade, formação, religião,... Casaram-se por conveniências familiares (na época muito freqüentes) e, especialmente, minha mãe teve que suportar muita coisa que não lhe agradava... Não se divorciaram porque ela, cristã autêntica, não admitia isso... Preferiu calar, tolerar e rezar. Um método aparentemente não muito efetivo mas que deu bom resultado. Com sua tenacidade e constância meu pai chegou a mudar.

Éramos três irmãos. Eu era o mais velho. Minha infância foi como a de todos os meninos. Talvez mais inquieto e mais levado do que a maioria...

Na época não havia o costume de batizar as crianças. A única coisa que se fazia era dar o sinal da cruz como promessa de que um dia seria cristão. Eu, no entanto, estive a ponto de ser batizado porque tive uma doença bastante grave. Quase morro... Mas tudo passou e as coisas ficaram como estavam.

Deus já cuidava de mim sem que eu soubesse.

Também fui à escola, como todos, embora prefiro não lembrar. Ali se aplicava o método "se não vai por bem, vai por mal"... Se dependesse dos golpes que apanhei deveria ter-me tornado um sábio. Rezava a Deus para livrar-me dos professores, mas... nada!

Meus pais estavam empenhados em que eu estudasse a qualquer custo... Já sabes... Meu pai, que era funcionário da Prefeitura, queria que seus filhos fossem mais do que ele, sobretudo eu, que parecia prometer muito...

Esta foi a razão pela qual, uma vez que aprendi tudo o que ensinavam na escola de Tagaste, meus pais enviaram-me a Madaura para prosseguir os estudos.

Era uma cidade a 30 km. ao sul de meu povoado; maior, mais culta e importante que Tagaste.

Ali passei minha adolescência...

Dos estudos de Gramática, que era o que estudava, não posso queixar-me. Meus professores diziam que teria um brilhante futuro.

Mas o que mais me entusiasmava era a amizade: fazer amigos e conservá-los...

"Amar e ser amado" foi meu lema, ao qual dediquei-me apaixonadamente...

Vivi estes anos longe do controle de minha família, à vontade, sem limites, sem freio... Os ensinamentos cristãos que minha mãe tinha-me inculcado estavam esquecidos ou rejeitados. Por que continuar umas normas que pareciam por limites à minha liberdade e aos meus instintos?

Quando terminei os estudos, voltei a Tagaste... Levava umas boas qualificações, um punhado de amigos e um monte de defeitos pessoais... Tudo isto cresceu no ano seguinte, em que nada tive a fazer.

Meu pai não pode juntar dinheiro suficiente para que eu fosse a Cartago para continuar estudando e perdi o tempo inutilmente... O teatro era a única coisa que me fazia feliz...

Deus, naquele momento, significava pouco para mim. Era mais uma idéia que uma realidade viva...

Por fim, um amigo de família, Romaniano, pagou-me os estudos em Cartago. Eram estudos superiores... Por essa razão fui a Cartago.

Cartago! Depois de Roma, a cidade mais bonita, culta e interessante de minha época. Tudo ali me dizía:"Vive! Desfrute! Divirta-se!" E foi isso que eu fiz.

Embora um pouco "caipira" não demorei a entrar em sintonia com o ambiente.

Dá-me vergonha dizer que cheguei a ser para meus amigos e colegas um modelo de elegância e de conhecimento das coisas do mundo...

Naquele momento passei a fazer parte de um grupo que se chamava "os demolidores"... Divertíamo-nos muito rindo de tudo e de todos... Troças, problemas, algazarra,... todos os dias, mas, no fundo, isto não me satisfazia e logo os deixei.

Eu preferia sonhar, ler e fazer poesia, ir ao teatro..., mas sobretudo amar... E no amor era possessivo e gostava de desfrutar dos prazeres da vida com a outra pessoa... Embora, logo, dado o meu temperamento, os ciúmes, as suspeitas, os desgostos..., não me deixavam viver tranqüilo.

No ano em que estava em Cartago morreu meu pai, que foi batizado, antes de morrer, por insistência e constância de minha mãe.

À sua maneira, foi um bom pai... Embora nunca estivéssemos muito entrosados, reconheço que ele se sacrificou muito por meus irmãos, principalmente por mim, para que nada nos faltasse.

O que eu estudava em Cartago era "Retórica", que consistia em saber falar e expressar-se bem, com elegância e distinção. Saber convencer com as palavras. Com estes estudos poderia ser um bom advogado, principalmente porque era o primeiro colocado de minha turma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário