Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

O TEMPO PRECIOSO

De dia trabalhava, de noite meditava

O grande número de obras escritas por Agostinho podem levar‑nos ao engano. Podem fazer‑nos crer que a maior parte das horas do dia eram ocupadas a estudar e a escrever. Nada mais afastado da realidade. Para Agostinho isso era apenas um sonho, o desejado. Tinha outras ocupações mais trabalhosas e menos agradáveis para ele.

A maior parte do dia e dos dias passava administrando justiça, resolvendo pleitos e contendas. Agostinho era uma figura vital da sua comunidade. O bispo era uma pessoa importante na cidade. Perante a corrupção geral e a lei do mais forte, ele apresentava‑se como o árbitro que não se deixa subornar; que administra justiça com retidão, rapidez e por amor; sem acepção de pessoas. Eram numerosíssimos os que recorriam a ele, sobretudo os indefesos, tanto pagãos como cristãos, católicos ou hereges. Todos se entendiam para lhe tirar o seu precioso tempo. "Às vezes a audiência durava até a hora de almoçar; outras, passava o dia em jejum, ouvindo e resolvendo pleitos", diz‑nos S. Posídio (Vida, 19).

Outros afazeres gastavam o já escasso tempo de Agostinho: visitava as prisões, intercedendo em favor dos que ali se encontravam, para que não fossem mal tratados. Fazia‑o "com tanta modéstia e recato que não causava nenhum incômodo e pesar, mas sim admiração" (Vida, 20). Para o bem daqueles infelizes submetidos à terrível justiça, ou injustiça, do tempo, teve de se enfrentar, não poucas vezes, com autoridades pagãs ou donatistas, pelas quais não era bem visto. Nem sempre as respostas foram as que esperava e desejava.

"Nas visitas guardava a moderação recomendada pelo Apóstolo, indo só visitar as viúvas e órfãos, que sofriam alguma tribulação. Se algum doente lhe pedia que rezasse por ele e lhe impusesse as mãos, fazia‑o sem demora" (Vida, 27).

Também não lhe era possível empregar a seu gosto as horas que ficavam livres de tais trabalhos. Agostinho viajou e por razões diversas. Fê‑lo pelos caminhos mais insólitos de África. Mais que horas, foram muitos os dias seguidos, que passou a cavalo. Os motivos de tais viagens eram diversos: assistir a concílios, tratar de assuntos políticos, encontrar‑se com outros bispos para traçar planos de ação; visitas pastorais para instruir e fortalecer a fé dos católicos, para discutir com representantes de seitas heréticas, etc.. Viajou em todas as direções: de Cartago a Cesareia da Mauritânia; a este, a oeste e ao interior; quando era jovem e quando os anos já lhe pesavam. Em trinta anos visitou Cartago em trinta e três ocasiões. Às vezes os fiéis mostravam‑se ciumentos e desgostosos pelas longas ausências do seu bispo. Seria curioso chegar a conhecer quais os livros que tiveram a sua gênese sobre o dorso de um cavalo.

Os irmãos que vivam no mosteiro também foram uns ladrões de tempo para Agostinho. Apesar de cansado por muitos e graves problemas atendia‑os sempre com gosto e sem reparar nas horas. Eram a menina dos seus olhos.

O cultivar da correspondência: aqui está outra das múltiplas ocupações do santo. Quando ainda não havia jornais, nem rádio, nem televisão, nem qualquer tipo de revista, a correspondência constituía o único meio de se manter em contato com o mundo exterior. Era necessário procurar a notícia, informar‑se, pedir aquilo de que se necessitasse. Era imprescindível para manter o calor da amizade, para exercer a própria influência. Por outra parte, Agostinho era o sábio do seu tempo nas ciências profanas e nas religiosas. A ele acudiam numerosas pessoas. Umas, para que lhe resolvesse as suas questões; outras para se fazerem valer perante ele e merecerem o louvor da sua pena; outras para o por à prova: será a ciência tanta quanta o vulgo apregoa? Deste modo ficaram‑nos numerosas cartas que mostram o Agostinho homem, amigo, culto, filósofo, teólogo, apologista, polemista; ansioso de aprender e de dar quanto possui. Cartas de grande interesse para conhecer uma época e o homem que marcou essa mesma época.

Por último há que considerar também o tempo empregue na pregação e atividade litúrgica.

Que lhe restava para fazer os seus estudos, as suas leituras? A noite. À luz da lamparina de azeite porque a do sol alumiava outros assuntos. "Tal era a sua ocupação: trabalhando de dia e meditando de noite" (Vida, 24).

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