Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

AQUELE HOMEM DE DEUS: SANTO AMBRÓSIO

Ele não conhecia as minhas aflições

Chega a Milão. Em breve irá visitar o bispo da cidade, Santo Ambrósio, já célebre em todo o mundo. A ele era levado por Deus, sem o saber, diz Agostinho, para ser levado a Deus por ele, sabendo‑o. Aquele santo homem recebe‑o paternalmente e interessa‑se pela sua vinda. Depressa o africano começa a amá‑lo. A princípio não como a um mestre da verdade, porque ainda não tinha esperança de a encontrar na Igreja Católica. Amava‑o apenas como a um homem que tinha sido afável com ele.

Assistia aos seus sermões, que escutava com interesse, ainda que apenas para comprovar se falava tão bem como se dizia. Ficava suspenso das suas palavras, apesar de não prestar atenção ao conteúdo das mesmas. Naquela altura desprezava‑o. Mas, a pouco e pouco, foram‑se gravando na sua alma as verdades contidas naquelas palavras, que ouvia com agrado. "Ao abrir o coração para perceber quão brilhantemente falava, ao mesmo tempo percebia com quanta verdade falava" (V, 14, 24). Foi, sem dúvida, um processo lento. Agora pensava que se podiam defender coisas, que antes lhe pareciam absurdas. O sentido espiritual, em que era mestre Santo Ambrósio, explicava muitas passagens obscuras da Bíblia. Isto fez Agostinho refletir sobre a falta de fundamento da sua desconfiança em encontrar a verdade nas Escrituras. Era o primeiro passo e era importante. Mas ele estava todavia longe de se decidir a seguir o caminho dos católicos, pois ainda que a religião de sua mãe não lhe parecesse vencida, também não a dava por vencedora.

Escutando a Ambrósio, aumenta também a sua desconfiança perante os maniqueus, até se tornar total. Agora compreende a falsidade de muitas das acusações contra a doutrina católica. Em conseqüência, ainda no meio de muitas dúvidas, toma a decisão de se desligar por completo deles. A sua doutrina parecia‑lhe completamente insustentável . Mas também não quis entregar‑se aos filósofos para que lhe curassem a alma doente, porque nos seus escritos não encontrava o nome de Cristo. No meio de estas incertezas, optou por fazer‑se catecúmeno da Igreja Católica, ao menos até encontrar outra via melhor. Iniciava assim o regresso à fé de Mônica.

Nesta situação encontrou‑o sua mãe, que tinha ido ao seu encontro, seguindo‑o por mar e por terra, confiando no Senhor em todos os perigos. Logo se pôs em contato com Ambrósio "a quem amava como a um anjo de Deus", amor que demonstrou submetendo‑se a todas as normas dadas por ele, mesmo quando eram contrárias às que anteriormente tinha seguido em terra africana.

Durante este período Ambrósio ocupava permanentemente o pensamento de Mônica e, sobretudo, o de Agostinho. Ainda que não compreendendo o seu celibato, considerava‑o um homem feliz, porque toda a gente, incluindo as mais altas autoridades do império, o honrava e respeitava. Mas, dirá o mesmo Agostinho, "eu não podia suspeitar as lutas que sustinha contra as tentações da sua própria grandeza". É certo que também Ambrósio não tinha idéia das aflições que atormentavam Agostinho, nem tinha razão para conhecê‑las. Muitas vezes o professor africano tentou encontrar‑se com o bispo e expor-lhe pormenorizadamente a sua situação, mas não lhe foi possível. Sempre o encontrava ocupado a atender as multidões que acorriam ao seu gabinete ou, quando lhe ficava algum tempo livre, além do empregue nas refeições, absorvido na leitura. Muitas vezes quis entrar em diálogo com ele, mas ao passar o limiar da porta, vendo‑o tão absorto nos livros, dava meia volta e deixava‑o para outro dia. Mas o tal dia não chegou.

Para Agostinho era a ocasião de abrir bem os olhos da sua inteligência e de estabelecer as fronteiras precisas entre o certo e o incerto. O importante era que ele se tivesse dado conta que os maniqueus atribuíam à Igreja Católica aquilo que ela não professava. As Escrituras diziam uma coisa e os seus adversários faziam‑na dizer outra. Nem a Bíblia nem a Igreja concebiam Deus em forma humana. Pelo contrário, o homem é que foi criado à imagem de Deus. Não há nada na Escritura que seja absurdo, imoral ou indigno de Deus. Somente há que entender o texto. É preciso levantar o véu místico e interpretá‑lo em sentido espiritual, como fazia Ambrósio.

Agostinho aprendeu bem a lição, se bem que, com medo de um novo descalabro, não ousava decidir‑se. "Costuma acontecer, escreverá ele próprio, que quem tenha caído nas mãos de um mau médico, desconfie mesmo de um bom" (VI, 4, 6). Agostinho, enganado pelos maniqueus, temia cair de novo nas mãos de outros aldrabões.

O resultado disto foi a aceitação das Escrituras, da sua autoridade e da autoridade da Igreja, que as conservava. Acima de tudo, Agostinho aceita a fé. Uma da causas da sua queda no erro maniqueísta tinha sido a pretensão de tudo querer explicar pela razão. Entre a razão e a fé tinha escolhido a primeira. Agora tinha compreendido que estava fora do bom caminho. Colocar o dilema: a razão ou a fé, é um erro. O mais importante é compreender mas, em primeiro lugar, é preciso crer. Começa crendo e acabarás compreendendo.

Tinha superado o racionalismo. No entanto, as dúvidas de Agostinho subsistem. Adiante se verá.

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