Meus 19 anos, tenho-os muito gravados. O ano 372/3 foi muito importante para mim em todos os sentidos. Li um livro, que hoje, desgraçadamente, perdeu-se, intitulado "O Hortênsio", de Cícero, que era o grande filósofo da época.
Este livro abriu-me os olhos... Ajudou-me a amadurecer. Falava de ser "sábio" e feliz... De como saber viver a vida... e deu à minha vida um novo sentido... Também afeiçoei-me a ler e a buscar a "sabedoria" e com ela a verdade e a felicidade.
Buscando a "verdade", li a Bíblia e... Pasmem! Que linguagem tão pobre tinha! Era um livro para "beatos", pensei. Logo não lhe fiz nenhum caso e continuei vivendo a meu estilo e à margem de Deus.
Em minha busca da "verdade" encontrei-me em Cartago com uma espécie de seita conhecida com o nome dos "maniqueus". Eles só falavam de "verdade" e também ensinavam como consegui-la. Como um bobo caçaram-me e entrei nela.
Em poucas palavras e para não cansar-te, direi que suas idéias filosófico-religiosas vinham a sustentar que no mundo e em cada pessoa existem dois princípios em luta: o do Bem (a luz, o espírito) e o do Mal (as trevas, o material). Tratava-se de fazer com que prevalecesse o Bem e para isso era necessário lutar contra tudo o que fosse material, inclusive o corpo, até aniquilá-lo. A doutrina era uma mistura de idéias cristãs, zoroástricas e de outras religiões. Eram uns enrolões, inclusive o chefe: Fausto.
Demorei muito -nove anos- ao dar-me conta disso e lhes fiz o jogo. E mais, a alguns de meus amigos consegui convencer e eles entraram na seita.
Nem te conto o que sofreu minha mãe quando ficou a par de minha situação. Acredito que preferia ver-me morto a maniqueísta. Com orações e lágrimas pedia a Deus que me convertesse e batizasse. Embora eu me sentisse tão seguro do que cria que nem lhe fiz caso. Coisas de minha mãe!, pensava.
Neste mesmo ano, com uma jovem de minha idade, com a qual convivia e a quem guardava fidelidade, tive um filho. Chamei-lhe Adeodato. A ambos quis muito, muito,...
No ano seguinte, já terminada minha carreira, voltei a meu povoado e me propus a ensinar o que havia aprendido, convertendo-me num "vendedor de palavras bonitas" -como eu chamo aos retóricos- mas carentes de verdade.
Parece mentira, mas nestes anos, sendo todo um professor, tendo-me a mim mesmo por sábio e astuto, comecei a crer na astrologia e demais artes de adivinhação orientando minha vida segundo elas.
Nem um médico muito inteligente e famoso com quem falava com freqüência, nem meu amigo Nebrídio, que ria-se de minhas superstições, puderam com minha credulidade... No fundo era como uma criança, teimosa e ingênua a um só tempo.
Por um ano estive lecionando em Tagaste. Aqui vivi uma intensa amizade com um colega, até que a morte o separasse de mim. Isto foi para mim um golpe terrível. Creio que com isto Deus ensinou-me, sem que eu soubesse, a pouca consistência de qualquer amizade sem Ele. "Só quem sabe querer seus amigos em Deus, é que não os perde, porque Ele é quem nunca perdemos".
Esse acontecimento, junto com o desejo de obter uma cátedra melhor impulsionaram-me a fugir para Cartago para esquecer e ter assim um pouco de tranqüilidade interior.
Em Cartago, as aulas -freqüentemente interrompidas pela bagunça dos estudantes-, as leituras do filósofo Aristóteles e de outros pensadores e os amigos, preencheram todo meu tempo. Também escrevi uns livros sobre estética intitulados "O formoso e o apto", que acredito se tenham perdidos, onde expus minhas idéias sobre a beleza.
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