Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

20 lições para conhecer a Santo Agostinho

 

5ª - CARTAGO - ROMA - MILÃO

(De 22 à 30 anos)

Durante sua permanência em Cartago, Agostinho teve que lutar, desde o princípio, com urgentes necessidades materiais. Tinha que providenciar sustento, não só da mulher e do filho, senão também de sua mãe e, talvez, de seus dois irmãos. Aqui temos Agostinho, dedicado inteiramente a seu ofício de “vendedor de palavras” (Conf. IV, 2, 2). A atenção dos jovens não demorou em dirigir-se ao novo professor, que dava provas de extraordinárias qualidades oratórias e intelectuais.

Na sua escola se encontravam não poucos alunos de Tagaste, aos quais se somaram outros. Assim podemos cita Licencio, filho de Romaniano, Eulógio, Honorato e Alípio, que deve ter sido sucessor, no coração de Agostinho, do amigo que morreu.

Ao ensino de retórica unia a doutrina moral. Isso sabemos por ele mesmo. Conta-nos que censurou em uma de suas aulas, aos jogos de circo. Tal censura induziu Alípio, que era muito afeiçoado a tais jogos a abandoná-los (Conf. IV 7, 12)

O que atraiu Agostinho ao maniqueismo foi o desejo de encontrar a verdade. Os maniqueus a haviam prometido e ofereceram demonstrações claras e decisivas. No decorrer do tempo, contudo, Agostinho se dá conta de que, quanto mais pensa, mais descobre que as promessas deles não foram e jamais podiam ser cumpridas.

As dificuldades eram muitas. Agostinho só conservou-se fiel ao maniqueismo graças à “santidade dos eleitos”. Se estes levavam uma vida moral irreprovável, não constituía isto indicio de que fosse verdadeira a doutrina que os dirigia à santidade? Mas este motivo deixava de ser válido já que, aqueles que faziam profissão de virtude e santidade, não passavam de uns farsantes hipócritas.

Agostinho esperava com impaciência a chegada em Cartago, do célebre bispo dos maniqueus, Fausto que, sem dúvida, havia de resolver-lhe as dificuldades que se apresentavam. Era o que lhe prometiam os mesmos maniqueus. E, de fato, conseguiu uma entrevista com Fausto, porém, não foi satisfatório. Fausto contestou as objeções de Agostinho com evasivas e muita ignorância

Quando finalmente, me foi possível, com alguns amigos, fazer que ele me escutasse num momento oportuno, então lhe apresentei algumas dificuldades que me perturbavam. Descobri logo que ele nada entendia das disciplinas liberais, com exceção da gramática, da qual conhecia apenas o corriqueiro. Tinha lido algumas obras de poetas, e umas poucas de seus correligionários, escritas em latim melhor cuidado. E como se exercitava diariamente na oratória, havia adquirido facilidade de falar, tornada ainda mais agradável e sedutora pelo emprego inteligente de seu talento e de certa graça natural” (Conf. V, 6)

Agostinho já tem 29 anos de idade. Nesta época já escreveu sua primeira obra, “De pulchro et apto”, que se perdeu.

Em Cartago encontrou alguns amigos extraordinários. E, no círculo de seus estudantes, descobriu discípulos de uma fidelidade a toda prova. Mas este círculo se quebrou, pelas circunstâncias, à medida que cada um dos alunos terminava seus estudos. Alípio, concretamente, decidiu partir para Roma, onde foi estudar direito. Por outro lado, o ambiente de Cartago, desagradava cada vez mais ao jovem professor, que não se acostumava aos modos grosseiros dos chamados “destruidores” (rebeldes). Seu modo de ser sofre ao ver aqueles tumultos e gritarias.

Certamente que, junto com ele, estavam a mulher que ama e o filho. Também sua mãe veio morar na grande cidade. Não sabemos os motivos nem o tempo de sua chegada. Sua influência continua pesando sobre Agostinho, o que não é suficiente.

Disseram a Agostinho que, se quisesse, poderia encontrar facilmente em Roma, uma ocupação muito mais importante e um salário muito melhor. O que mais convence Agostinho, no entanto, é a convicção de que os estudantes de Roma eram muito mais responsáveis que os de Cartago.

No ano 383 prepara sua viagem; mas de uma maneira pouco digna: enganando à mãe. De fato, sob o pretexto de ir até o porto despedir-se de um amigo e aproveitando que Mônica tinha ido a uma capela próxima para rezar, Agostinho fuge.

No entanto, somente tu, meu Deus, conhecias os motivos que me faziam deixar Cartago e me levavam a Roma, mas não manifestavas à minha mãe nem a mim. Ela chorou amargamente a minha partida e me seguiu até o mar. Quando me apertou estreitamente, tentando persuadir-me a voltar ao a deixá-la vir comigo, enganei fingindo que desejava acompanhar um amigo que aguardava vento favorável para navegar. Menti a minha mãe, e que mãe! Fugi dela!

Recusando voltar sem mim, eu a convenci com esforço a passar a noite numa capela dedicada a São Cipriano, vizinha ao lugar onde se achava nosso navio. Nessa mesma noite parti escondido e ela ficou a chorar e a rezar”(Conf., V, 8, 5)

No outono de 383 Agostinho chega, são e salvo, a Roma. Leva cartas de recomendação para alguns personagens influentes da seita dos maniqueus e é recebido na casa de um deles.

O começo em Roma não é nada agradável. Logo que chega, cai doente. Tal vez o fraco organismo de que é dotado, não resiste ao incômodo da viagem e à mudança de clima e de alimentação. Durante alguns dias, Agostinho encontra-se entre a vida e a morte. Mais tarde, se lamentará por não ter pedido o batismo, como quando criança, nas mesmas circunstâncias. De qualquer modo, temos de reconhecer que Agostinho sente-se muito debilitado pela febre para ter consciência clara de seu estado. Sobretudo seu pensamento andava muito longe do catolicismo para sentir-se capaz de pedir sua admissão na Igreja.

Logo que se recompôs de sua doença quis organizar sua nova vida. Com a ajuda de seus amigos africanos, Agostinho abre, em sua própria casa, uma escola particular; e inaugura o curso.

Sua preocupação consiste em reunir alunos. Não é rico e, portanto, tem que assegurar a sobrevivência, tanto pessoal, quanto de sua mulher e de seu filho que vai crescendo. Sem demora consegue reunir alguns alunos que, por sua vez, trazem outros. Mas logo constata que os alunos de Roma não são mais constantes e sérios que os africanos. Além do mais, têm um defeito muito grave: não pagam seus professores. Assistem por algum tempo as aulas e, quando chega a hora de pagar a quota desaparecem de tal forma que torna-se difícil encontrá-los. O inconveniente é muito mais grave ainda para quem, como Agostinho não pode suportar esta falta de delicadeza e busca uma ocasião para abandonar Roma.

Tomando conhecimento que na cidade de Milão estão procurando um professor de retórica, não duvida. Com a ajuda de um amigo, se candidata e é aceito. Imediatamente se dirige a Milão.

Agostinho tinha então 30 anos, idade em que amadureceram as mais profundas crises espirituais. Prepara-se para ser um dos mais ilustres personagens de seu tempo, numa grandiosa cidade, a segunda capital do império ocidental, residência da corte imperial.

Logo em seguida começou o ensino de retórica, que devia durar apenas dois anos. Os jovens milaneses estavam contentes com o trabalho do mestre africano. Admiravam sua eloqüência, embora estranhassem a pronuncia e o sotaque cartaginês.

Com freqüência recorriam a ele quando se devia pronunciar algum panegírico de príncipe ou dos mais distintos magistrados do império. “Recitava - nos diz ele- uma série de mentiras, certo de ser aplaudido por homens que conheciam perfeitamente a verdade” (Conf. IV, 6, 9)

Agostinho chegou a Milão o ano 384. Em 385 chegou também sua mãe, para grande surpresa dele. Lá, ele teve ocasião de conhecer o famoso bispo Ambrósio, defensor incansável dos fracos e oprimidos, guardião zeloso dos interesses da Igreja e da fé. Sentia-se, por toda parte, o peso de sua autoridade. Poucos homens tiveram, como ele, o sentido exato da justiça. O povo o amava muitíssimo e estava pronto a defendê-lo em todo momento. As virtudes do famoso bispo eram proclamadas por todo o povo milanes. Somente uns poucos adversários não cessavam de atacá-lo.

Assim que chega a Milão, Agostinho decide visitar o ilustre bispo, médico de almas. Queria encontrar uma pessoa a quem confiar suas angústias, com a esperança de receber algum alívio. Para sua infelicidade a entrevista durou muito pouco. Ambrósio estava sempre muito ocupado, atendendo às pessoas que a ele recorriam em busca de favores, de conselhos e recomendações. Com paternal benevolência, contudo, o recebeu. Mas logo o despediu.

Embora não pudesse manter longa conversa com o bispo, Agostinho começou a freqüentar a Igreja onde o bispo pregava, para ouvir-lhe. Assim, pouco a pouco, a doutrina que pregava foi entrando no coração de Agostinho. Desta forma foi descobrindo o valor da Bíblia, cujo significado espiritual exige certa preparação. Neste livro, que antes havia rejeitado, Agostinho acabou por encontrar verdadeiros encantos.

Já haviam passado 11 anos desde que o jovem estudante de Cartago havia se sentido perturbado em seu interior com a leitura do “Hortênsio” de Cícero. Desde então, havia brilhado em seu interior a busca da sabedoria e a esperança de romper com as frivolidades de suas paixões.