Dos escritos de Agostinho

DEUS É A VIDA DE TUA ALMA

“Tua alma morre perdendo a sua vida. Tua alma é a vida do teu corpo, e Deus é a vida de tua alma. Do mesmo modo que o corpo morre quando perde a sua alma, que é sua vida, assim a alma morre quando perde a Deus, que é sua vida. Certamente, a alma é imortal, e de tal modo é imortal, que vive mesmo estando morta. Aquilo que disse o Apóstolo da viúva que vivia em deleites pode-se dizer também da alma que tem perdido o seu Deus: que vivendo está morta”.

(Com. Ev. de João, 47, 8)

20 lições para conhecer a Santo Agostinho

 

9.- BISPO E PASTOR

(Dos 41 anos em diante)

Agostinho era um verdadeiro tesouro para a Igreja de Hipona, e o bispo o guardava com terna inquietude. Os fieis tinham medo de perdê-lo. Para prevenir todo perigo, Valério decidiu consagrá-lo bispo, designando-lhe logo como sucessor na sede de Hipona. Isto era contrário não só aos costumes africanos como também às determinações do Concílio de Nicéia. Os méritos de Agostinho, porém, eram tão grandes que bem mereciam uma exceção à regra.

Certo dia em que havia se reunido um bom número de bispos dos arredores e, estando de comum acordo com o bispo primado de Cartago, Valério declarou publicamente, na Igreja, sua intenção de associar Agostinho como bispo coadjutor.

O povo acolheu a notícia com imensa alegria. O único que se opôs, movido por certos rumores e fofocas, foi Megálio, bispo primado de Numídia. Mas logo se deu conta de que eram calúnias o que houvera e, havendo pedido perdão a Agostinho e seus colegas, ele mesmo o consagrou, tornando-o bispo de Hipona. Era o ano 395. Quatro anos, portanto, depois da ordenação sacerdotal.

Agostinho considerou sua consagração episcopal como uma pesada carga que, só por obediência à Igreja, poderia suportar. No fundo, depois de sua conversão, não desejava outra coisa a não ser o sossego e a solidão na meditação de Deus. Só por isso havia abandonado toda glória literária que o esperava. Obrigado pelas circunstâncias e mudar de vida, começou logo a ver em suas novas obrigações um novo meio de elevação e penitência, uma espécie de purificação heroica de todas as suas faltas passadas. Já não pensava em si. Tampouco pertencia a si próprio.

Aceitando o episcopado, se entregou por completo à Igreja. As almas, vítimas do erro e da luta interior, tinham necessidade dele. Dedicou, então, todo o tesouro de sua eloquência, parar convencê-las e curá-las. A Igreja se sentia assediada e ameaçada por mil inimigos. Agostinho se apressou em empunhar as armas de sua palavra e luta, sem descanso, em prol da glória e do triunfo de Cristo. Bispo, pastor, diretor de almas: Agostinho não queria ser mais que isto. A essa causa entregou os 35 anos restantes de sua vida.

Agostinho, como bispo de Hipona, sentia-se um grande proprietário, pois a diocese possuía muitas casas, enquanto muitos pequenos artesãos estavam quase morrendo de fome e miséria. O bispo precisava desenvolver toda sua habilidade para socorrer e alimentar tantos pobres na sua diocese. A partir do nosso ponto de vista moderno, não podemos nos dar conta claramente sobre este ministério puramente material que o bispo de Hipona exercia entre os membros mais necessitados da comunidade.

Além disto, Agostinho, em virtude das recentes constituições imperiais, tinha sobre os cristãos certa jurisdição nos assuntos civis. Por isso, todos os dias precisava ouvir as demandas e litígios e pronunciar as sentenças. O bispo recebia todos que se aproximassem dele. Sua casa estava sempre cheia de gente que buscava um conselho ou queriam dar um jeito em suas causas demandas e litígios.

Um dos principais ofícios do bispo era a pregação. Nela resumia e compendiava todo seu ministério apostólico. Agostinho pregava todos os dias. Em algumas ocasiões até mesmo várias vezes ao dia, apresar de sua precária saúde. Em consequência disto, seu peito frágil e a debilidade dos seus pulmões se ressentiam com esse exercício fatigante. Às vezes, se via obrigado a exigir um absoluto silêncio, já que sua fraca voz não podia ser escutada se continuassem comentando suas palavras.

O povo o escutava com curiosidade, simpatia, satisfação... E manifestava, com plena liberdade, suas próprias opiniões. Ora gritava, ora aplaudia, às vezes interrompia com aclamações ao pregador. Inclusive alguns começavam a discutir com ele e pediam explicações de alguma passagem bíblica. Agostinho vigiava continuamente seu auditório para não fatigá-lo. Às vezes pedia perdão se prolongava muito seu discurso, ou manifestava uma humilde preocupação ante os louvores e aplausos na Igreja.

Preocupava-se com os sentimentos do povo tal como se refletia em seus gestos e olhares. Cuidava para não cansá-los e conquistava seus corações com o atrativo da palavra e de sua eloquência. Agostinho sabia chegar ao íntimo de seus ouvintes. Sua pregação não era seca, nem se reduzia a um frio comentário de salmos ou dos livros da Bíblia. Sua erudição bíblica estava semeada de comparações tomadas da vida corrente, dos costumes populares, de parábolas e exemplos da vida de todos os dias: a verde campina que rodeava Hipona, os burrinhos que brincavam pelo caminho, o calor do clima africano, com sua comitiva de mosquitos, as corridas de cavalo, os combates das feras e gladiadores no circo... Tudo oferecia ao pregador, eloquente e sábio, uma ocasião para tornar mais suaves, mais variada e mais amável sua palavra e a exposição das verdades sagradas. Dizem que Agostinho foi o mais sábio dos santos, o mais santo dos homens e o mais humano dos santos. Sua abnegação aparecia especialmente no modo como cumpria seu dever de diretor de consciência: neste assunto, se via obrigado a doarse inteiramente às almas; estava sempre disposto a responder a todos, fosse por carta ou pessoalmente.

O bispo possuía umas qualidades excepcionais para impor a observância da disciplina cristã num ambiente em que inclusive os cristãos, se mantinham mais ou menos ligados às praticas de superstições pagãs.

As ocupações que pesam sobre o bispo de Hipona lhe absorvem todo o tempo. Cada uma delas bastaria para ocupar toda a atividade de um homem. Mas esta longe de encher a vida de Agostinho.

Naquela época um bispo tinha muitos outros ofícios. Além da administração dos bens de sua igreja, a presidência de um tribunal, o cuidado de seus pobres, das viúvas e dos órfãos, devia também celebrar os ofícios litúrgicos, anunciar a seu povo a Palavra de Deus, visitar sua Diocese, converter os pagãos e hereges, tomar parte nos concílios, etc. E Agostinho fazia tudo isto. Quando terminava, não se dava o direito de descansar, já que as circunstâncias faziam dele, o bispo de uma cidade secundária, o chefe espiritual de toda a Igreja de África e, inclusive, doutor da Igreja Universal.

Oficialmente, Agostinho não possuía outro título senão o de bispo de Hipona. Estava mais ou menos subordinado ao bispo de Cartago que exercia, tradicionalmente, uma espécie de primazia sobre todos os colegas africanos. Desde 392, a sede de Cartago estava ocupada por Aurélio, que morre no ano 429 ou 430. Com prazer, fazia seu colega de Hipona pregar em uma ou outra basílica de sua diocese, quando este lhe visitava.

Aurélio não era um erudito, não publicou nada. É um homem de ação e um administrador consumado. Nos concílios, que se celebravam regularmente durante seu episcopado, sugeria a seus colegas decisões sábias e prudentes para o governo de suas igrejas e sobre a conduta que deviam observar frente aos dissidentes e hereges.

Amigo fiel e devoto de Agostinho, Aurélio lhe deixava as iniciativas intelectuais, a redação dos livros, das cartas, de discursos e discussões que haveriam. Ele reservava para si as iniciativas da administração; isto é, na maioria dos casos ele realizava as ideias que lhe sugeria o bispo de Hipona.

Os outros bispos africanos se contentavam também em ser executadores das ideias de Agostinho. Muitos deles são conhecidos nos anais da história agostiniana. Eram precisamente os amigos ou discípulos mais fieis de Agostinho. Depois que Alípio foi nomeado bispo de Tagaste, muitas igrejas africanas vieram a Hipona pedir pastores, seguras da qualidade dos monges formados por Santo Agostinho. Entre estes estão: Profuturo, bispo de Cirta; Evódio, bispo de Uzalis; Possídio, bispo de Calama; Severo, bispo de Milevi; Urbano, bispo de Sicca; Bonifácio, bispo de Cataque. Todos eles estiveram um tempo mais ou menos longo, no mosteiro agostiniano. A simples passagem pela escola do Mestre Agostinho era suficiente para deixar uma marca indelével. Entre eles, sobressai Possídio, que é o tipo perfeito de administrador entusiasta, de ouvinte atento, de amigo fiel e sincero, juntamente com Alípio.

Entretanto, até mesmo sobre os que não passaram por sua escola ou não o conheceram, Agostinho exercia uma grande influência. Em sua presença todos se calavam, por causa de seu duplo prestígio: de santidade e de ciência. Deste modo, mesmo nas igrejas que nada tinham a ver com Hipona, nosso bispo podia, não só pregar, mas, inclusive, sustentar controvérsias públicas com hereges. A impressão que se tem é de que, em toda parte, ele mesmo se sentia como em sua própria diocese: podia dizer e fazer tudo que gostava. Para Agostinho, seus colegas eram verdadeiros colaboradores.

Sua ação ultrapassa também as fronteiras africanas. Estende-se à Igreja inteira, num instante. O círculo de suas relações é dos mais extensos. Como primeiro meio de expressão, conta com os livros que escreve, cujos exemplares se disputam avidamente, logo que se têm notícias de sua publicação. Inclusive, se propagam nos meios públicos, sem que o autor se dê conta. É o que ocorre com os doze primeiros livros da obra sobre a Santíssima Trindade, que lhe tiraram e puseram em circulação, antes que pudesse revisá-los.

ORDENAÇÃO EPISCOPAL DE AGOSTINHO

Mas, o bem-aventurado ancião Valério, mais que ninguém transbordava de alegria, dando graças a Deus pelo benefício singular que havia feito à sua Igreja, começou a temer -e isto é coisa muito humana- que lhe enviassem para alguma outra Igreja, privada de sacerdote, consagrando-lhe bispo. E assim haveria de acontecer, sem dúvida, se não houvesse evitado o vigilante pastor, ocultando-lhe num lugar onde não pudessem encontrá-lo. Por isto, mais receoso a cada dia que passava, o venerável bispo, conhecendo sua fraqueza e idade avançada, com uma carta secreta recorreu ao bispo de Cartago, alegando sua idade avançada e gravidade de seus males, e rogando que ele nomeasse Agostinho bispo auxiliar de Hipona, não tanto para que lhe sucedesse na cátedra, mas para que colaborasse com ele no exercício pastoral.

Por escrito, conseguiu o que desejava e pedia com tanta insistência. Mais tarde, convidado para uma visita e estando presente na basílica de Hipona, o primado da Numídia, Megálio, bispo de Calama, o bispo Valério surpreendeu-o com a manifestação de seu propósito a todos os bispos que, por casualidade, estavam presentes e a todos os clérigos e fieis de Hipona, sendo acolhida a proposta por todos os ouvintes com alegria, congratulações e clamores de aprovação e desejo.

Somente Agostinho recusava a consagração episcopal alegando que isto ia contra o costume que não permitia outro bispo na diocese, enquanto vivesse seu bispo. Todos lhe convenceram do contrário, dando-lhe exemplos de Igrejas africanas e fatos semelhantes em Igrejas ultramarinas, coisa que ele ignorava. Finalmente, cedendo à pressão de suas razoes e pedidos, aceitou receber em seus ombros o encargo de um grau superior. Porém, depois, disse e escreveu que não deveriam tê-lo consagrado, fazendo isso com ele, estando o bispo vivo...”

(São Possídio, Vida de Santo Agostinho, c. 8)

20 lições para conhecer a Santo Agostinho

 

O REGRESSO À PÁTRIA: O PRESBÍTERO AGOSTINHO

(Dos 34 aos 37 anos de idade)

A partir da morte de Mônica, a narração das “Confissões”, deixa de ser pessoal, e os quatro últimos livros (X, XI, XII, e XIII) estão consagrados à reflexão sobre o estado de alma de Agostinho no momento em que redige a obra. Com a morte de Mônica, fecha-se um período de sua vida. A partir de então, se inicia um caminho novo. Se quisermos ter em mãos fontes seguras, temos que apelar para outros escritos de Agostinho, sobretudo, para a “Vida de Santo Agostinho”, de São Possídio.

A morte de Mônica mudou os planos de Agostinho. Por causa disto ficou, mais do que pretendia em Óstia, e, estando próximo o inverno, achou perigoso aventurar-se numa viagem pelo mar. Talvez as notícias que chegavam da África, cujas costas estavam bloqueadas pela frota do usurpador Máximo, em luta com o imperador Teodósio, preocupassem os viajantes, temerosos de cair nas mãos do inimigo.

Por estas razões, possivelmente, decidiu voltar a Roma, onde permaneceu por um ano. Lá, não esteve inativo. Preocupou-se em converter a Cristo seus amigos que, com ele, haviam participado de tantos erros. Visitou os mosteiros da cidade, estudando sua organização para ver que modelo adotaria para a comunidade que pensava fundar em Tagaste. Recolheu muitos documentos referentes aos maniqueus, e contra eles escreveu dois livros, demonstrando a falsidade de suas promessas e denunciando a vida desregrada de seus prosélitos.

Também aproveita sua presença em Roma para escrever novas obras: “Os costumes da Igreja Católica”, “Os costumes dos maniqueus”, “Sobre a quantidade da alma”, e “Sobre o livre arbítrio”.

Quando as circunstâncias se tornaram mais favoráveis, Agostinho e seus companheiros embarcaram para a África. Desta vez, o adeus à Itália foi definitivo. Agostinho nunca mais regressou a Roma, nem a Milão, onde passou anos abençoados pela graça de Deus.

No final do verão de 388, desembarca em Cartago. Cinco anos antes, havia partido para livrar-se dos “inoportunos” conselhos de sua mãe, e também dos apelos do Senhor. Agora, regressa conquistado pela bondade de Deus e pelo esplendor da santidade católica.

Agostinho e seus companheiros se detiveram muito pouco em Cartago. Um antigo advogado do substituto do Prefeito, chamado Inocente, os recebe em casa, onde permanecem uns poucos dias.

Logo que chegou em Tagaste, distribuiu aos pobres o pouco que lhe ficou dos bens paternos: a casa e uns campos. Quer, assim, desfrutar da liberdade total e seguir os exemplos dos Padres do deserto. Reserva somente o usufruto da casa, para nela alojar-se com seus companheiros. Seguindo o exemplo dos mosteiros que tinha visto em Milão e Roma, estabelece ai o seu.

Agostinho se sente feliz com seus acompanhantes. Pode ler, orar e dedicar-se ao estudo das Escrituras. Parecia-lhe a realização de um sonho acariciado por longo tempo.

Em Tagaste, terminou e corrigiu muitos dos tratados didáticos, começados em Milão. Entre estes se encontram os seis “Sobre a música”. Não achou oportuno abandonar as artes e letras profanas, Agostinho, como todo sábio, é humano e modesto; nunca fanático. Trata de extirpar o erro das consciências, mas reconhece a debilidade humana.

Dedica-se especialmente a desmascarar aos maniqueus, que continuam proclamando publicamente, nas praças, sua doutrina. Esta idéia deu origem a uma série de tratados escritos, não em forma clássica e elegante, mas num estilo popular e ao alcance dos menos cultos.

Agostinho, além disso, é o homem de negócios para todos os seus concidadãos. Em Tagaste é uma autoridade. Todos sabem que ele é muito influente nas altas esferas e a ele recorrem para obter proteção, conselho e orientação. Ele atende a todos. É o pai, o irmão, o amigo paciente e desinteressado... Não esquece os amigos ausentes e escreve cartas a todos. África, Itália, Espanha, Palestina recebem notícias e conselhos do “monge” de Tagaste, como lhe chamam nessa época. Entre tantas ocupações, e em meio a seus estudos, gozava de uma paz que nunca havia encontrado antes.

Na campina verde e fresquinha, repunha a saúde de seu peito cansado e enfermo e sua mente ia se preparando para as batalhas que estavam por vir. Sentia, lá, uma confiança enorme em Deus. Ante qualquer espetáculo da natureza, elevava-se a Deus.

Assim resume São Possídio a permanência de Agostinho em Tagaste:

Uma vez estabelecido em Tagaste, quase pelo espaço de três anos, renunciando a seus bens, vivia para Deus, com jejuns, orações e boas obras, meditando dia e noite a lei divina. Comunicava aos demais o que recebia do céu com seu estudo e oração, ensinando aos presentes e ausente com suas palavras e escritos” (Vida de S. Agostinho, c. 3).

Durante o retiro em Tagaste teve a tristeza de perder seu filho. Não sabemos quando. Parece que foi no final de sua estada em sua cidade natal. Podemos supor a dor intensa que sofreu Agostinho. Mas, como já fez ao contar a morte de sua mãe, também agora fará calar seu coração de pai frente ao dever e esperanças que lhe impunha a fé. O sexto capítulo do livro nove das Confissões está dedicado à recordação de Adeodato.

A história de como Agostinho chegou ao sacerdócio está rodeada de cenas curiosas e, ao mesmo tempo, comovedoras. No inicio do 391, fez uma viagem a Hipona, cidade que devia ter seus trinta mil habitantes. É uma antiga cidade fenícia, onde os romanos fizeram uma colônia. Sua importância se deve ao seu porto e aos caminhos que a comunicavam a Cirta, Tagaste, Madaura e Tebeste.

O bispo desta cidade, chamado Valério, devido a sua idade avançada já não podia atender aos cristãos. Todos estavam convencidos de que era necessário colocar à frente da Igreja de Hipona um homem jovem, ativo, originário do lugar e, sobretudo, capaz de opor-se aos hereges e cismáticos que abundavam pela cidade.

Certo dia, o bispo Valério pregava na Igreja e se lamentava da falta de um sacerdote que lhe ajudasse. Agostinho estava entre os ouvintes. Foi reconhecido e a multidão começou a gritar: Agostinho, presbítero, Agostinho presbítero!

Agostinho aceitou a vontade do povo como sinal da vontade divina, embora lhe atemorizasse a gravidade do ofício. Não se sentia com forças para este elevado ministério e, sobretudo, reconhecia não estar preparado. Pediu a Valério que lhe concedesse um pouco de tempo para preparar-se. Valério aceitou e emprestou-lhe uma casa de campo, perto de Hipona. Terminado o tempo, foi ordenado sacerdote, convertendo-se em coadjutor do bispo de Hipona.

Sentiu grande dor ao ter que deixar a comunidade de Tagaste. Contudo, logo obteve licença para trazer seus membros para Hipona. Ali estabeleceu nova comunidade e começou a viver com Evódio, Severo, Possídio e Fortunato, isto é, com quase todos que haviam partilhado com ele o retiro de Tagaste. Como Santo Agostinho, também eles foram chamados mais tarde a dirigir outras Igrejas da África, como bispos.

É o próprio Agostinho, quem, resumidamente nos refere estes fatos:

Vim, pois, a esta cidade (Hipona) para ver um amigo, a quem queria ganhar para Deus e para nosso convento. Vinha seguro, porque tínheis bispo. Mas, surpreendendo-me, forçaram-me a receber as ordens sagradas, e por este degrau cheguei à dignidade episcopal. Nada trouxe aqui; só vim com a própria roupa. E, como aqui queria viver em comunidade com meus irmãos, o ancião Valério, de feliz memória, conhecendo meu propósito, me deu o horto, onde agora, está o convento. Comecei a recrutar alguns irmãos que tinham vocação, pobres como eu, pois nada possuíam e, imitando o que eu fiz quando vendi e dei aos pobres o preço da minha pequena herança, seguiram o meu exemplo os que quiseram aderir-se a mim para viver em vida comum, sendo grande e abundantíssima a herança de todos: Deus, nosso Senhor” (Sermão 355, 1-2)

As normas que seguiam no convento não eram exigentes demais, nem excessivamente frouxas. Com o espírito prático que o caracteriza, Agostinho compreendeu que a melhor regra de disciplina era conservar a justa medida. O estudo, a oração de louvor e o exercício prático da caridade fraterna fazem da comunidade de Tagaste um reflexo vivo da primeira comunidade apostólica mandou escrever na parede do refeitório uma frase em latim que, traduzida, fica assim: “Aquele que gosta de falar mal dos ausentes, saiba que é indigno de sentar-se nesta mesa”. Um dia, nos conta São Possídio, como alguns de seus amigos e colegas no episcopado houvessem esquecido esta sentença, os repreendeu com severidade e disse, cheio de caritativo rigor, que, ou haviam de apagar-se aqueles versos ou ele se retiraria imediatamente.

Agostinho exercia em Hipona o cargo de presbítero, de superior do mosteiro e de apóstolo. Atendia na preparação e na instrução dos catecúmenos; defendia a Igreja contra os dissidentes. Em resumo, assim vivia Agostinho e seus monges:

Fundou um mosteiro junto à Igreja e começou a viver com os servos de Deus segundo o modo e a regra estabelecida pelos apóstolos. Sobretudo, cuidava para que ninguém naquela comunidade possuísse bens, que tudo fosse comum e se distribuísse a cada qual segundo sua necessidade... E São Valério, seu ordenante, não cabia em si de gozo... e lhe deu poder para pregar o Evangelho em sua presença e dirigir freqüentemente a palavra ao povo, contra o uso e costume das igrejas da África... Depois, alguns presbíteros, com a permissão de seus bispos, começaram também a pregar ao povo diante de seus pastores” (Vida de Santo Agostinho, cap. 5)

 

ORDENAÇÃO SACERDOTAL DE AGOSTINHO

Regia, então, a igreja católica de Hipona o santo bispo Valério que, movido pela necessidade de seu rebanho, falou e exortou ais fieis para que providenciassem e ordenassem um sacerdote idôneo para a cidade. Os católicos, que já conheciam o gênero de vida e a doutrina de Santo Agostinho, arrebatando-o, porque se achava seguro no meio da multidão, sem prever o que podia acontecer -pois, como ele mesmo nos dizia quando era leigo, se afastava somente das igrejas que não tinham bispo-, o apressaram e, como acontece em tais casos, o apresentaram a Valério para o ordenasse, segundo o exigiam com clamor unânime e grande desejo. Entretanto, ele chorava copiosamente. Não faltaram aqueles que interpretaram mal as suas lágrimas, segundo nos referiu ele mesmo. e, como para consolar-lhe, diziam-lhe que, embora digno de maior honra, contudo, o grau de presbítero estava próximo de episcopado. Sendo assim, aquele homem de Deus, como sei por confidência sua, elevando-se às mais altas considerações, gemia pelos muitos e graves perigos que via cair sobre si com o regime e governo da Igreja. Assim se fez o que eles quiseram” (Vida de Santo Agostinho, cap. 4)